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Planejamento de carreira e cursos de vinhos: Fernanda Garay conta sobre pausa para gravidez

Entre as jogadoras de vôlei de sua geração ela é exemplo de como se programar financeiramente para este momento
Fernanda Garay é o exemplo mais inteligente de atleta da sua geração que se programou financeiramente para uma parada Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Fernanda Garay é o exemplo mais inteligente de atleta da sua geração que se programou financeiramente para uma parada Foto: Ana Branco / Agência O Globo

Fernanda Garay, medalhista de ouro em Londres-2012 e prata em Tóquio-2020 , não planejou levantar a bandeira mas pode inspirar as novas gerações de atletas mulheres. Ela se organizou financeiramente para que pudesse escolher o momento de parar de jogar para engravidar. Sem fechar contrato com equipe de vôlei, mesmo com direito a licença maternidade amparada por lei. Ter essa “tranquilidade” ainda não é comum.

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Garay, que atuou na China, Japão, Turquia e Rússia, além do Brasil, diz não ter pressa e aproveita a nova fase para fazer cursos e escolher o projeto arquitetônico da nova casa em Curitiba. Aos 35 anos, afirma que pode até voltar às quadras mas que a prioridade não será unicamente o vôlei.

Última partida de Garay foi a final dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, em agosto. Foto: CARLOS GARCIA RAWLINS / Reuters
Última partida de Garay foi a final dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, em agosto. Foto: CARLOS GARCIA RAWLINS / Reuters

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— Óbvio que se pode engravidar no meio da temporada, mas nunca foi minha ideia. Não assinei contrato porque não gostaria de correr o risco de deixar a equipe na mão. O time me contrata e espera contar comigo a temporada inteira. Para mim, a gravidez necessitava de planejamento — explica a jogadora, que fez sua última aparição na final olímpica de Tóquio, em agosto. — Também não queria ficar fazendo matemática. Calcular gravidez entre uma temporada e outra. Gostaria que tudo acontecesse sem atropelos. Justamente por eu ter planejado bastante minha carreira, pude escolher o momento. Pode demorar e tudo bem.

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Ana Flávia, ex-capitã da seleção brasileira, é atualmente agente de jogadoras e tem a maior empresa no país de gerenciamento de carreira e orientação financeira (Top Volley Group). Conta com 80 jogadoras em seu casting no Brasil, além das praças internacionais (Itália, Polônia, Turquia, EUA, Bélgica). Foi ela quem orientou Fernanda, desde o início da carreira, com 15 anos, no São Caetano.

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A agente diz que a geração de Fernanda, Fabiana e Gabi tem se preocupado mais com a saúde financeira, mas que sempre existirão jogadoras que deixarão de olhar para este tipo de gerenciamento. Ela acredita que se aprende sobre educação financeira como aprende-se sobre educação alimentar.

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— As mais inteligentes usufruirão desta tranquilidade. Atletas tops precisam sim deste tipo de orientação, assim como as de nível b ou c. E todas elas podem conseguir isso. Mas não se vê este tipo de preocupação com tanta frequência — lamenta Ana Flávia, que afirma que a geração atual “quer tudo muito rápido”. — A Fernanda é o exemplo mais inteligente de atleta da sua geração que se programou financeiramente para uma parada. No caso para a gravidez. Espero que a geração atual, que consome muita informação, modismos e quer ganhar dinheiro facilmente mantenha essa toada que vem com jogadoras como a Fernanda.

A independência financeira foi a chave, na opinião de Garay. Sua preocupação inicial era com a longevidade, já que muito nova sentia dores no joelho. Acredita que o fato de ter jogado no exterior lhe ajudou neste quesito. Mas afirma que chegaria no mesmo lugar se tivesse optado por jogar apenas no Brasil.

— Desde nova tinha dores no joelho e não sabia quantos anos jogaria vôlei. Talvez tenha começado aí, a ter este perfil. Mas não estive sozinha. O time da Ana Flávia foi fundamental — conclui Garay. — Optei por viver o vôlei e depois a maternidade. Isso não significa que não possa vir a jogar de novo. Mas a prioridade não será apenas a carreira. Convivi com várias atletas mães. Até me arrepio ao falar da Fabíola (veja nesta página) , que lutou para voltar à seleção para a Olimpíada do Rio. Essas experiências me influenciaram. Via a dor que era. Meses longe de casa. Eu chorava de saudade do marido. Imagina de filho?

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Vinhos e casa nova

Garay afirma que não sabe, ainda, se a opção por ser mãe aos 35 anos foi tardia. Explica que o atleta, em geral, vive “o desafio atual” e não tem o costume de pensar pós-carreira. Com gravidez, idem. Para ela, seria saudável que pudessem fazer isso ainda “jovens”. E que tivessem planejamento financeiro para encarar as escolhas.

Fernanda Garay aproveita o tempo livre para fazer cursos, incluindo de vinhos: uma paixão Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Fernanda Garay aproveita o tempo livre para fazer cursos, incluindo de vinhos: uma paixão Foto: Ana Branco / Agência O Globo

— Foram 20 anos de dedicação 100% ao vôlei. O atleta de elite é muito focado em dar tudo, o melhor para a performance. Porque é necessário. Agora, quero conhecer uma vida diferente. Não deixo de ir na academia, faço aula de francês, cursos online, incluindo os de vinhos e de empreendorismo. Tenho viajado, pensado na obra na minha casa e no que posso fazer fora das quadras. — conta a jogadora, que apesar do perfil, está tentando não traçar planos futuros — Vivo o momento de abrir portas e pensar no futuro. Se perguntar o que farei, não sei te responder ainda.

Enquanto o bebê não vem, Garay cuida dos “filhos cachorros”, Zion (buldogue inglês) e Kiba (cane corso), e curte o que sempre gostou: beber vinho. Ela, que tem “ o nariz aguçado” e sempre “brincou de perceber os aromas”, se acostumou a beber os tintos italianos. Conta que tem adega com mais de cem garrafas e que recentemente aprendeu a gostar dos espumantes e os brancos.

— Depois que eu engravidar, acaba esta festa. Não vai dar mais para beber! — brinca, para depois refletir sobre o maior desafio pessoal: — E eu com essa personalidade de ter tudo planejado e organizado vou ter de me adaptar... Quando eu vir a ser mãe, serei obrigada a esquecer um pouco essa palavra planejamento. Vou tentar relaxar e deixar a vida fluir.