Carlos Eduardo Mansur
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Carlos Eduardo Mansur

Por Carlos Eduardo Mansur

Quem será capaz de traduzir a real dimensão de Pelé? Ícone brasileiro, ideal de perfeição no esporte mais popular do mundo, personalidade global desde muito antes da globalização, símbolo vitorioso de uma luta que poucos vencem num Brasil ainda injusto e excludente: um rei preto, que venceu as limitações sociais e ignorou fronteiras. Foi também a face mais conhecida e respeitada de um país que ainda buscava seu lugar no mundo. Pelé foi tantos em um só, um esportista que transcendeu o jogo para se transformar em pilar da construção da identidade nacional.

É possível entender um pouco do Brasil através de Pelé. O surgimento do melhor jogador da história do futebol coincide com um país ainda machucado pela mais traumática das derrotas, mergulhado no que Nelson Rodrigues definira como “complexo de vira-latas”.

Suas primeiras aparições encontram um país que consolidara o jogo como uma de suas mais fortes senhas de identidade coletiva. Pois Pelé ofereceu a este Brasil uma espécie de redenção, a sensação de ser o melhor do mundo. Era como se o futebol nos desse a rara oportunidade da afirmação. Através de Pelé nascia uma seleção brasileira vencedora, surgia um Brasil que se impunha, saudado até nos mais remotos cantos do planeta. Tínhamos um ícone diante do qual se curvavam chefes de Estado, líderes religiosos, autoridades de toda ordem. Jamais houve um brasileiro que despertasse tanta fascinação em escala global. É impossível entender a construção do mito do país do futebol sem enxergar em Pelé a sua fundação, o seu alicerce.

Uma excelência que talvez tenha, involuntariamente, alimentado nossa obsessão pela vitória. Somos um país que não se permite nada diferente de vencer no futebol: a cada quatro anos, vivemos entre a vitória ou o fracasso. O fato é que, desde Pelé, tornou-se habitual dizer que uma Copa não começa até que a seleção brasileira tenha estreado.

Pelé simbolizou um Brasil idealizado, embora poucas vezes realizado. Foi o homem preto, pobre, nascido no interior de Minas Gerais e crescido na pobreza no interior paulista, que contrariou todas as probabilidades, da cor à origem social. Ele simbolizou a ascensão social através da bola, até hoje o sonho de milhões de crianças num país injusto e desigual. Uma espécie de metáfora não apenas do que o jogador brasileiro pode fazer no futebol, mas também do que o futebol pode fazer pelo brasileiro, pelo país. Em um só homem, a renovada esperança de um Brasil melhor.

O maior jogador da história foi destes raros atletas capazes de reunir, num só corpo, todas as virtudes conhecidas e, algumas, até então desconhecidas. Era tantos jogadores num só que conseguia, ao mesmo tempo, reforçar e desfazer estereótipos. A habilidade, a invenção, a arte do engano, realimentaram o rótulo da malícia, do molejo brasileiro, uma forma de jogar futebol que dialoga com uma maneira alegre de viver. Mas Pelé era também o superatleta, muito antes de o esporte fabricar superatletas. Ao talento descomunal unia esforço, suor, perseverança. Retrato do Brasil que não se curva. Todas as faces do país num mesmo homem.

Em dado momento, Pelé deixou de ser somente o nome do mais revolucionário e reverenciado futebolista que o mundo viu: era um qualificativo, uma chancela, um selo de excelência em qualquer ramo da vida. Ser um Pelé é flertar com a perfeição inatingível, a não ser para o próprio. Uma força da natureza que seguirá presente em cada campo de futebol, onde qualquer menino seguirá tentando ser Pelé.

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