Carlos Eduardo Mansur
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Carlos Eduardo Mansur
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Carlos Eduardo Mansur

Por , O Globo — Rio de Janeiro

Logo após o empate com o Atlético-GO no Beira-Rio, Eduardo Coudet, técnico do Internacional, lamentava em sua entrevista o “ambiente enraivecido” do estádio. Ele relata ter ouvido, desde o início do jogo, uma saraivada de ofensas vindas da plateia.

O caso é relevante não apenas por retratar uma cultura instalada no Brasil. Acredita-se piamente que estádio de futebol é um lugar para torcer pelo seu time e ofender indiscriminadamente qualquer ser humano que não consiga entregar ao público o resultado desejado. Como se ouvir xingamentos fosse parte indissociável do conjunto de atribuições de um profissional de futebol no país.

No entanto, há algo ainda mais revelador. E que, novamente, nos remete à estrutura do calendário nacional. O Campeonato Brasileiro vive sua quarta rodada, e quase metade dos 20 participantes convive ou já conviveu com a crise. Das tantas sabotagens que enfrenta o principal torneio do país, o fato de ter seu início marcado para o quarto mês da temporada o transforma numa fábrica de instabilidades.

Em qualquer lugar do mundo desenvolvido, o início da principal competição nacional coincide com o início da temporada. É tempo de renovação de esperanças, de novas ilusões, de chegada de reforços e dos primeiros contatos entre torcedores e times após um período de férias e pré-temporada. Aqui, o Campeonato Brasileiro sucede Estaduais que não conduzem os vencedores à glória, mas afundam na depressão os derrotados. O Brasileirão começa enquanto uma série de times lambe as feridas das decepções regionais. Aconteceu com Coudet, eliminado do Gauchão pelo Juventude. Já futebol do Rio é, neste momento, outro grande exemplo.

O Vasco demitiu Ramón Díaz após a constrangedora goleada imposta pelo Criciúma, no sábado. O resultado é pesado, mas o ambiente em torno do time se deteriorara desde as semifinais do Carioca com o Nova Iguaçu, passando pela agônica classificação na Copa do Brasil contra o Água Santa. Não se trata de questionar as críticas ao time. A constatação de que o Vasco joga mal, que sua montagem de elenco deixa lacunas e carências evidentes, é corretíssima. O ponto aqui é notar como tantos times já iniciam torneio mais nobre do calendário pressionados a ter uma margem de erro zero. Os créditos de Ramón Díaz pela recuperação de 2023 já haviam se esgotado antes mesmo da estreia no Brasileiro.

Da mesma forma, é evidente a crise de jogo no Fluminense, e a atuação diante do Corinthians foi muito ruim. Da saída de bola à construção de jogadas no campo de ataque, o time não consegue executar com naturalidade movimentos que fluíram na conquista da Libertadores. A falta de reposição a Nino e a recente perda de André não ajudam. Mas tampouco ajuda o ambiente de pressão gerado desde a perda da semifinal estadual para o Flamengo. O campeão da Libertadores em novembro passado também venceu a Recopa em fevereiro. Mas o Brasileiro demora tanto a começar que, quando teve sua largada, este já era um time em crise.

O Botafogo, que hoje encontra motivos para sonhar com uma nova campanha promissora no Brasileiro, viveu o seu ciclo inteiro antes mesmo da competição começar: quanto estreou diante do Cruzeiro, já demitira Tiago Nunes, fora treinado por um interino e estreara Artur Jorge.

Quanto ao Flamengo, as fragilidades do Estadual e o sarrafo alto imposto a um time de investimento tão elevado, criaram uma combinação perigosa. Foram as competições mais exigentes que acentuaram as cobranças, ao exibirem problemas claros num time com tantos recursos individuais. Mas, uma vez posto em julgamento, foi inevitável ponderar se a campanha tão soberana no Carioca fora resultado do nível dos oponentes.

Adaptação

Num jogo sob temperatura desumana para jogadores e público, o Botafogo resistiu a um primeiro tempo em que teve ritmo bem baixo. Conseguiu ser sólido defensivamente para, na etapa final, aproveitar bem as circunstâncias favoráveis criadas pelo grande gol de Luiz Henrique. Não é este o plano de jogo que Artur Jorge diz pretender implantar no alvinegro. Mas, no domingo, foram do Botafogo as melhores oportunidades.

Desempenho

O Flamengo segue com problemas em seu jogo. A saída de bola pelo chão continua instável, com frequentes recursos a bolas longas que não têm gerado vantagens ao time. Quando se coloca no campo adversário, tampouco tem sido um time que crie aproximações entre seus maiores talentos. É justo esperar mais deste elenco. Há uma comissão técnica competente para resolver as questões. Criar instabilidade agora é o pior dos caminhos.

Obviedade

No sábado e domingo, entraram em campo pelo Brasileirão 12 times que atuaram por torneios sul-americanos no meio da semana. Juntos, entre lesões e opções dos técnicos, fizeram 57 mudanças em suas escalações iniciais. É surpreendente que, em pleno 2024, se discuta a necessidade de administrar os minutos jogados por cada atleta. Só será capaz de atravessar este insano calendário o time capaz de trocar peças e manter desempenho.

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