O calor da emoção costuma embaralhar o julgamento dos fatos. Mas o sentimento do torcedor na saída do Estádio Lusail, ontem à noite, é que naquelas duas horas anteriores de pura catarse havia se experimentado algo que, antes do apito final, já havia a certeza de ser histórico.
Porque Lionel Messi, aos 35 anos, no crepúsculo de sua genialidade, em sua quinta tentativa, conseguiu enfim erguer uma taça da Copa do Mundo.
O eleito sete vezes melhor jogador do planeta fez dois gols no empate em 3 a 3 da Argentina com a França nos 120 minutos, em decisão vencida nos pênaltis por 4 a 2, conquistando aquele troféu que o mantinha um degrau abaixo de Diego Maradona no coração dos argentinos. Ao entrar em campo, Lionel se tornou o atleta com mais jogos disputados em Mundiais (26) e, ao balançar as redes duas vezes, chegou a 13 gols em Copas, superando Pelé, que tem 12.
Predestinado
Porque Lionel Scaloni, de 44 anos, se tornou o técnico mais jovem a conquistar um Mundial desde Cesar Menotti, seu compatriota, em 1978. Em sua primeira experiência como treinador, o ex-lateral superou as desconfianças e se mostrou um estrategista: mudou o time e a formação tática jogo a jogo e, na final, mesmo contrariando as previsões, resolveu mandar um time mais ofensivo a campo, com Angel Di María ao lado de Messi e Julián Álvarez. Até uma hora e meia antes da partida, o atacante não fazia ideia que jogaria.
Porque esse mesmo Di María, aos 34 anos, o fiel escudeiro de Messi, se mostrou outra vez predestinado. Aos 20 minutos do primeiro tempo, o autor do gol do ouro olímpico em Pequim-2008 foi derrubado por Dembélé na área, originando o pênalti convertido por Messi. Depois, aos 35 minutos, ele mesmo concluiu um contra-ataque puxado por Alexis Mac Allister, ampliando para 2 a 0.
Porque do outro lado havia Mbappé, 13 anos mais jovem que Messi e natural sucessor do trono do futebol. Com apenas 23 anos, o atacante francês se tornou o maior artilheiro de finais de Copas (quatro gols), recebeu a chuteira de ouro por ser o maior goleador no Catar (oito) e é o primeiro atleta a fazer um hat trick em decisões desde Geoff Hurst, na Inglaterra-1966. O atacante do PSG ajudou uma combalida França renascer quando a partida parecia decidida: aos 35 minutos do segundo tempo, fez de pênalti. Um minuto depois, acertou um chute primoroso após passe de Rabiot, levando o duelo para a prorrogação. Depois de Messi fazer 3 a 2, na segunda etapa do tempo extra, Mbappé ressurgiu e fez outro gol, de pênalti, levando a partida para as penalidades.
Porque então foi a vez de um herói improvável entrar em cena. Martínez, há quatro anos, estava vendo a Copa da Rússia da arquibancada e fez uma promessa ao irmão: em momento de baixa na carreira, disse que ainda chegaria à seleção. E ontem, aos 30 anos, o goleiro que só assumiu o gol da albiceleste aos 29, fez uma defesa espetacular em chute de Muani nos segundos finais da prorrogação, defendeu a cobrança de Coman e provocou tanto os franceses a ponto de Tchouaméni chutar para fora.
Porque a última cobrança das penalidades coube a Montiel, que, minutos antes, havia cometido o pênalti que prolongou o sofrimento argentino. E quando o chute do lateral estufou as redes de Lloris, não houve um jogador argentino que não corresse sem destino ou caísse ajoelhado no chão. Ao erguer a taça, Messi cumpriu uma daquelas jornadas que se consagrou histórica. Tanto que é possível dizer, com alguma segurança, que a Copa do Catar será para sempre a Copa de Lionel Messi.