Celina
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Por Juliet Macur; do New York Times


Salários e contratos de patrocínios, que já são menores entre as mulheres, são ameaçados pelo cancelamento de torneios Celina — Foto:
Salários e contratos de patrocínios, que já são menores entre as mulheres, são ameaçados pelo cancelamento de torneios Celina — Foto:

Para Isabelle Harrison, o sinal de alerta do coronavírus veio ao encontrar as prateleiras de uma mercearia em Bolonha, na Itália, praticamente vazias. Espaguete, fusilli e até mesmo pequenos sacos de pequenos macaronis. Tudo esgotado.

“Imediatamente, eu pensei: Não tem massa na Itália?”, contou Harrison em uma entrevista por telefone após retornar da Itália, onde ela é uma central no time de basquete Virtus Segafredo Bologna. “Isso mostra como a coisa ficou séria de um dia para o outro. Era como viver em uma zona de pânico. Muitas notícias assustadoras estavam surgindo, as pessoas estavam morrendo…”.

Isso foi no dia 9, a segunda-feira anterior ao governo italiano ordenar um confinamento total para controlar a propagação do vírus. A liga de basquete que Halisson disputa suspendeu a temporada, e seu telefone foi inundado por mensagens de amigos e parente que imploravam para que ela voltasse para os Estados Unidos.

Harrison, que durante a temporada da WNBA defende o Dallas Wings, tem problemas de autoimunidade. Por isso, queria deixar logo a Itália e ficar mais perto de casa. Ela pagou mil dólares (cerca de R$ 5,1 mil) em uma passagem para o Texas e se hospedou em um hotel na região metropolitana de Dallas, onde pretende cumprir duas de semanas de isolamento para não arriscar contaminar outras pessoas.

“Não sei se a temporada será retomada, sequer sei se receberei meu salário. E, financeiramente, isso é muito importante para mim”, disse Harrison, que nasceu em Nashville e jogou pela Universidade do Tennessee. “Essa situação toda é muito assustadora”.

O coronavírus bagunçou o mundo do esporte, jogando muitos atletas profissionais, como Harrison, num mar de incertezas. Mas as mulheres, que tanto lutaram para chegar ao alto nível do esporte, devem enfrentar um desafio ainda maior. Seus salários e contratos de patrocínio geralmente são muito menores que os dos homens e suas ligas são menos consolidadas. A expectativa de uma recessão é uma preocupação a mais.

O futuro incerto das ligas

Ligas femininas costumam focar em maneiras de cultivar as próprias marcas para que elas sejam sustentáveis a longo prazo. Mas, assim como o resto da população que precisa lidar com as complicações oriundas do coronavírus, elas terão que descobrir como navegar em um mundo em que as coisas parecem mudar a cada minuto.

Ligas de basquete, como a Associação Chinesa de Basquetebol ou a Euroliga, onde Harrison joga, foram interrompidas, deixando jogadoras cheias de dúvidas. O agente de Harrison, Boris Lelchitski, admitiu o temor de que seus atletas no exterior tivessem salários e bônus reduzidos ou que, nos países mais atingidos pelo vírus, eles sequer fossem pagos. Esse dinheiro prejudicaria especialmente as atletas femininas, porque em ligas de fora dos EUA os salários costumam ser três ou cinco vezes maiores que a WNBA. Logo, para aquelas que não jogam nos Estados Unidos, esses contracheques são essenciais.

Golfistas da LPGA Tour, que competem por prêmios que representam apenas uma fração daqueles oferecidos aos homens pela PGA Tour, haviam acabado de competir na Austrália, no mês passado, quando os próximos três torneios que disputariam, todos na Ásia, foram cancelados. Depois de um mês, elas foram informadas também de que três disputas em solo americano haviam sido postergadas.

A Liga Nacional de Futebol Feminino dos EUA (NWSL, na siga em inglês) cancelou primeiro as partidas de pré-temporada. Na semana passada, anunciou também o adiamento da temporada regular, que deveria começar em 18 de abril, quando uma partida da NWSL (Washington Spirit x OL Reign) seria transmitida ao vivo para todo o país pela primeira vez com a missão de promover o torneio.

Preparar-se para a incerteza do futuro próximo tem sido a principal tarefa de Lisa Baird, a comissária que assumiu o cargo no dia 10, um dia antes de a NBA suspender a temporada masculina e de a NCAA cancelar os torneios de basquete universitário de pós-temporada.

Durante a década em que chefiou o departamento de marketing do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, Baird lidou com esse pânico algumas vezes, incluindo quando o vírus zika ameaçou os Jogos do Rio-2016. Mas nada que fosse tão global ou tão próximo dela.

A comissária reconhece que existe uma urgência para que a NWSL se aproveite do título das norte-americanas na Copa do Mundo feminina, em 2019, e da exposição das campeãs na mídia em meio à luta pela remuneração igual entre homens e mulheres. Mais da metade dos times da liga bateram recordes de público após o mundial da França, e uma partida do Portland Thorns quebrou o recorde histórico da NWSL, com 25.218 presentes.

“Estou preocupada, é claro. Mas estou preocupada principalmente com a segurança das jogadoras e dos torcedores”, disse Baird, ao acrescentar que espera que a liga continue em crescimento apesar do impacto do coronavírus no calendário.

A venda de ingressos para os jogos é importante, mas a liga tem diversas formas de receita, incluindo novos acordos de transmissão com um canal de TV e um serviço de streaming. Ainda assim, a NWSL tem apenas três patrocinadores, enquanto sua versão masculina, de acordo com o próprio site, possui mais de 20.

“Eu acho que a NWSL não é apenas sobre esporte e entretenimento. Somos também um movimento. Acredito que os torcedores continuarão querendo fazer parte disso”, disse Baird.

Um sonho interrompido

Cancelamentos em outros esportes têm um efeito imediato nas jogadoras e em suas finanças. Michael Whan, comissário da LPGA, disse em uma entrevista recente que perdeu noites de sono diante do layoff de ao menos dois meses que as jogadas deverão enfrentar. Golfistas profissionais geralmente são trabalhadores autônomos, que pagam suas taxas de inscrição, ajudantes, treinadores e a maior parte das viagens que fazem.

“Eu estaria tranquilo se todas fossem bilionárias e tivessem contratos de longo prazo. Tenho atletas que conseguem ganhar isso ao longo da carreira? Sim. Mas a maioria das mulheres precisa jogar, e jogar bem, para ganhar o dinheiro necessário para se manter”, disse Whan.

A perda do dinheiro de premiações é impactante: os três eventos na Ásia que foram cancelados pagariam em torno de 5,2 milhões de dólares, uma fatia dos 75,1 milhões de dólares esperados para o ano de 2020. Há também um custo intangível ao se interromper a temporada.

Jillian Hollis, uma novata no circuito, terminou em 13º lugar no Australian Open do mês passado e esperava dar continuidade a sua ascensão. Ela, que completará 23 anos na próxima quarta-feira, joga golfe desde pequena e segue os passos da mãe, Sharon. Para conseguir uma vaga na LPGA, precisou ficar entre as 10 melhores na Simetra Tour, uma espécie de liga de desenvolvimento. Durante o período, hospedou-se de favor na casa de terceiros e dividiu quartos de hotéis com outras jogadoras.

Nos três torneios que disputou na Austrália, Hollis conquistou cerca de 22 mil dólares em prêmios. Também teve tempo para passear: conheceu a Opera House de Sidney, caminhou pela praia de Bondi e mergulhou perto de tubarões. Mas sua aventura precisou ser interrompida.

Enquanto ela estava na Austrália, eventos na China, em Singapura e na Tailândia foram cancelados. Logo, Hollis precisará esperar para visitar esses países pela primeira vez. Além disso, viagens para os estados americanos da Califórnia e do Arizona foram riscadas de seu calendário. Ela agora passa o tempo em um hotel próximo à Universidade da Geórgia. A golfista afirma que tem sorte por contar com dois patrocinadores, porque não sabe quando voltará a receber dinheiro de competições:

“Minha reação inicial foi mista. Fiquei triste por não poder estar na Costa Oeste, mas me sinto mais segura ao não colocar a mim e a outras pessoas em risco. Eu odiaria ser infectada e transmitir o vírus para a minha avó. Essa situação é séria, e tudo com o que eu preciso me preocupar agora é a minha carreira.”

Enquanto isso, no seu quarto de hotel em Dallas, Harrison, de 26 anos, está preocupada com a saúde de seus pais, que têm mais de 60. Sua mãe trabalha num asilo, e a filha pediu que ela ficasse em casa. Harrison, que cresceu em uma família de 12 irmãos, não visitará parentes e amigos até o fim da quarentena, numa data que parece inimaginável agora.

Ela passa a maior parte do tempo lendo o noticiário, assistindo à televisão e postando vídeos de beleza nas redes sociais ou atualizando o seu portfólio da época de modelo. Ela está ansiosa para a temporada da WNBA, marcada para começar em 15 de maio, após um novo acordo para aumentar o salário das jogadoras. Isso, claro, se houver uma temporada.

“Estou tentando aproveitar esse raro tempo livre”, disse Harrison. “Gostaria de dizer que pretendo sair para passear e viajar. Mas não podemos dizer isso mais.”

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