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Esportes

Conheça Filipe Ferraz, o técnico de vôlei do Cruzeiro que rompeu a bolha e quer 'parcerias'

Atleta recém-aposentado, ele tem início meteórico na nova carreira; renovação fora das quadras é tímida assim com a troca de conhecimento entre treinadores
Após uma década como jogador do Cruzeiro, Felipe Ferraz assumiu o comando do time mais vencedor da história do vôlei brasileiro Foto: Divulgação Sada Cruzeiro
Após uma década como jogador do Cruzeiro, Felipe Ferraz assumiu o comando do time mais vencedor da história do vôlei brasileiro Foto: Divulgação Sada Cruzeiro

O vôlei de quadra do Brasil é dono de 12 medalhas olímpicas, cinco ouros, cinco pratas e dois bronzes, conquistadas essencialmente nas eras Bernardinho e Zé Roberto, treinadores com “cadeira cativa” em qualquer selecionado. Ambos também estão na elite da Superliga, que emprega outros 20 e poucos técnicos, alguns estrangeiros. Segundo a Confederação Brasileira de Vôlei, são cerca de 4.200 treinadores habilitados no país para o cargo, mas a renovação fora da quadra é tímida.

E Filipe Ferraz, de 41 anos, técnico do Cruzeiro, rompeu esta barreira: atleta aposentado em 2021, assumiu o comando do time mais vencedor do país em abril e já embolsou os títulos do Campeonato Mineiro, Supercopa e Mundial de Clubes. É o único brasileiro, comandante de uma equipe masculina, a vencer este torneio internacional.

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— Achei que levaria tempo para ganhar um título como esse. Não pelo time, por mim. Sei que dei um salto, um gap gigantesco. Mas puxei meus pés para o chão de novo — declarou Filipe, ex-capitão do Cruzeiro, time que defendeu desde 2010 e com o qual já havia conquistado três títulos mundiais como atleta. — Estou aprendendo mas trago minhas características pessoais. Não preciso ser diferente, apesar do cargo e responsabilidade.

Com a medalha de ouro do Mundial de Clubes, conquistada com treinador: inédito no naipe masculino. Foto: Divulgação Sada Cruzeiro
Com a medalha de ouro do Mundial de Clubes, conquistada com treinador: inédito no naipe masculino. Foto: Divulgação Sada Cruzeiro

Filipe, conhecido pela vibração, liderança e carisma, não tinha planos de aposentadoria nesta temporada. O ponteiro queria jogar mais dois anos. Mas, o argentino Marcelo Mendez, treinador do Cruzeiro por 12 temporadas, com 55 campeonatos disputados, 48 finais e 39 taças, deixou o comando do time após eliminação precoce na Superliga 2020/2021. Foi quando a direção do clube propôs o desafio ao capitão.

“"Não é do nada que ele está neste posto. Se preparou, estudou, entende de pessoas e como gerir um grupo. Assumiu uma responsabilidade grande, logo de cara no Cruzeiro. É corajoso"”

Renan dal Zotto
técnico da seleção brasileira de vôlei

Em um primeiro momento, ele não tinha ideia que o convite seria para o cargo de treinador. Falou-se em “comissão técnica”. Mesmo após ter se preparado para esta transição, ele ainda não se via fora da quadra. Diferentemente da maioria de seus companheiros, Filipe se formou em Educação Física em 2005 e fez pós-graduação em gestão empresarial, em 2015.

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— Fui para a roça e minha cabeça ficou a mil. Pensei em tanta coisa, até como meus filhos iam lidar com o fato do pai não estar em quadra — lembra Filipe, natural de Joaíma (MG). — Não queria sair do Cruzeiro, a oportunidade estava na mesa e eu havia me preparado para ela.

Hoje, brinca que era feliz e não sabia. Chegava no ginásio para treinar e tinha tudo à mão, mastigado. Agora, não tem descanso. Precisa pensar em todos os atletas, nos rivais, estudar dados, preparar treinos e estratégias. Confessa que mesmo à beira da quadra, já se colocou na posição de passador como se ainda estivesse na função.

— Se bobear vou pro passe.

Ex-capitão do Cruzeiro, ele se formou em Educação Física e fez pós-graduação em gestão empresarial Foto: Divulgação Sada Cruzeiro
Ex-capitão do Cruzeiro, ele se formou em Educação Física e fez pós-graduação em gestão empresarial Foto: Divulgação Sada Cruzeiro

Concorrência e parceria

Logo de cara, algo lhe chamou a atenção: pouca parceria e troca de conhecimento entre os treinadores. Ele cita episódio entre Pep Guardiola e Julio Velasco para explicar sua tese. Guardiola, antes de se tornar treinador de futebol, procurou Velasco, já consagrado comandante da seleção de vôlei da Itália, para conversar. Essa história foi amplamente divulgada pelo comandante do Manchester City, um dos melhores do mundo na função.

“"Ele tem noção do que passa na cabeça dos atletas porque estava com a gente até ontem. Sabe quando vai além, quando pode forçar, quando precisa deixar uma faísca. E isso traz o time para perto dele. Brigamos mais, todos juntos, pelo mesmo objetivo"”

Rodriguinho
ponteiro do Cruzeiro há sete temporadas

— Acho que aqui existe uma mentalidade de competição. E acho que conhecimento precisa ser compartilhado. Não acredito em arma secreta. Os treinadores no Brasil não costumam manter relação de troca como existe lá fora — lamenta Filipe, que tem contato próximo com o italiano Nicola Negro, do Minas, com o argentino Javier Weber, ex-Funvic/Natal, e com Guilherme Novaes, de Guarulhos, outra aposta da nova geração de treinadores.

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Perguntado sobre os comandantes que admira, elogiou Rubinho e Zé Roberto:

— O Rubinho sabe muito de tática e me explicou como estudar a equipe. Uma pessoa que gosto muito. Mas, para mim, o Zé Roberto está no topo. Fenômeno como técnico, pessoa e gestor. Treinou a minha esposa, inclusive. O acompanho desde então.

Filipe diz que sua meta é manter o ambiente de trabalho saudável e que tenta “fazer um mix” do viveu com seus treinadores, desde Mauro Grasso, no Banespa, quando ganhou o primeiro título brasileiro da carreira, a Marcelo Mendez, o último.

— Peço aos atletas que venham com vontade de treinar e não para bater ponto. Era o que eu fazia — contou. — Estou gostando, aprendendo e encarando de peito aberto. Meu maior desafio é manter a amizade e ambiente saudável. Posso estar um pouco distante agora, mas não deixei de ter cumplicidade e parceria. Acho que por isso, o grupo abraçou a ideia.

“"Minha referência na quadra, amigo para a vida. O Felipe é guerreiro. Como jogador, vibrava muito e nos dava confiança. E mesmo na nova função, continua com esse espírito. Sinto a mesma vibração e confiança. Mantém o brilho no olhar. É sua marca" ”

Isac
jogador da seleção e central do Cruzeiro há nove anos

Agora como técnico, ele pode reparar “falha na carreira”, ainda não digerida: apesar das conquistas, não defendeu a seleção brasileira.

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— Ficou uma magoazinha, sim. Minha frustração. Era possível, eu ganhava títulos individuais e nunca tive a chance. Acho que fui crescendo como atleta por causa disso. Tipo assim: ‘Ah! Não fui convocado? Então vou comer a bola, vou para dentro. O sonho não acabou.

E ele já começou essa caminhada com o pé direito.