Flamengo
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Por Aydano André Motta*

No ambiente permanentemente conflagrado do futebol, cada um puxa a brasa para suas sardinhas. Não aparece ninguém corajoso o suficiente para cultuar jogadores adversários – no máximo invejar secretamente, no escurinho das taras mais proibidas –, tampouco valorizar conquistas dos rivais. O contrato não assinado, respeitado como dogma religioso, reza que só os do seu clube, da sua igreja, são celebrados.

Como os cometas, muito de vez em quando alguém rompe a bula – e poucos na intensidade do que materializou Gabigol.

A confluência impossível de características – o apelido sonoro, a comemoração do muque facinha de imitar, o jeito infantil e marrento, além, obviamente, da perícia de artilheiro – transformou o atacante no maior ídolo da história contemporânea do clube mais popular do Brasil (e o segundo de todos os tempos, abaixo apenas do inatingível Zico). Chegou em 2019 para ser a cara da era zilionária rubro-negra, protagonizando os títulos mais importantes, em especial as duas Libertadores, ganhas com gols dele. Está longe de ser pouca coisa.

Mas Gabigol conseguiu muito mais do que conquistas boleiras. Virou fetiche de outras torcidas, como poucas vezes se viu. Está no ensinamento de outro craque, o vascaíno Gonzaguinha (1945-1991), “Eu fico com a pureza da resposta das crianças”. Em 2019, o ídolo rubro-negro foi intensamente festejado por meninos e meninas torcedores do Grêmio, em pleno túnel da arena do clube gaúcho – um deles, Yan Quevedo, ganhou a camisa e pulou em êxtase. Aconteceu também na entrada de jogos contra o Vasco (maior rival), o Palmeiras (em São Paulo), com uma garota na Arena da Baixada e um garoto em Barranquilla, na Colômbia.

Quantos jogadores são tratados como ídolo até pelos rivais? Como monetizar tamanha adoração? Diante do desafio, a diretoria do Flamengo fracassa de maneira retumbante, ao deixar (ou mandar, tanto faz) Gabigol sair. Ultracapitalistas, agarrados à calculadora financeira como muçulmanos ao Alcorão, se aferram aos números para justificar a decisão – e repetir os antecessores, cúmplices das perdas de ídolos como Zizinho, Gerson, Tita, Bebeto, Adriano Imperador.

De fato – o jogador, uma das dez contratações mais caras da história do futebol brasileiro (R$ 78,6 milhões), ganha salário dos mais altos e padece em longa má fase. Além disso, envolveu-se num bizarro caso de fraude no doping e, por fim, deixou-se fotografar com a camisa do Corinthians, numa folga cervejeira. Na objetividade do capitalismo, não tem perdão.

Mas basta uma visita ao Maracanã, nas últimas partidas do Flamengo, para pegar a visão. A torcida aplaude Gabigol a cada movimento dele: na chegada ao campo, no aquecimento, nas caminhadas ao vestiário... Até ele entrar no jogo, quando parece que foi gol. Na verdade, é gol.

O grito da arquibancada (mesmo a plateia gourmetizada do Maracanã distópico) sinaliza o que os tecnocratas boleiros não ouvem: Gabigol tem que ficar no Flamengo para sempre. Quanto vale a multidão de crianças que se converteu à religião rubro-negra por causa dele? Quanto a torcida cresceu imitando o muque? Quanto custa a inveja doída dos rivais?

Ídolos são a razão do futebol. E não têm preço.

* Aydano André Motta é jornalista

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