Esportes
PUBLICIDADE

A disputa entre Sergio Massa e Javier Milei pela presidência da Argentina, decidida neste domingo, margeou o futebol em várias oportunidades. Mas nenhuma delas teve o impacto da manifestação do último dia 12, quando alguns dos principais clubes do país se posicionaram de forma firme contra uma possível transformação em SAFs — ou sociedades anônimas desportivas (SADs), como são chamadas no país. Uma reação a uma entrevista de Milei em que ele fazia elogios ao modelo, citando o futebol inglês, que revelou mais uma vez um profundo traço social do futebol argentino.

— Não vão mal (na Inglaterra). Têm um espetáculo. O que importa de quem é (o clube) se o River fizer 5 a 0 e for campeão mundial? Ou prefere seguir essa miséria, um futebol de qualidade cada vez pior? Como jogamos cada vez que saímos da Argentina? — disse o candidato em um entrevista no ano passado, que viralizou nas redes na semana passada.

“Nosso clube é de sua gente, sócios e sócias, que o fazem cada dia maior”, escreveu o Boca Juniors. “Rechaçamos as sociedades anônimas no futebol argentino”, adicionou o River Plate. “O clube é dos sócios. Não às SAD!”, explicitou o San Lorenzo, entre outros.

As notas partem de um princípio claro: a conexão do futebol com o povo e comunidades locais na Argentina, representado pelos extensos e ativos quadros sociais dos clubes.

Entre os clubes com mais sócios do mundo, o Boca ultrapassou os 300 mil. São 315 mil, segundo último ranking da Associação de Futebol da Argentina (AFA). O River vem logo atrás, com 273 mil, seguidos por Independiente (95 mil), Racing (83 mil) e San Lorenzo (80 mil). Esses sócios, muito participativos, altamente engajados e ligados aos bairros, se opõem, por natureza, a uma ideia de ver seus clubes controlados por empresas.

— Quando houve a passagem do amadorismo para o profissionalismo, os vínculos dos bairros com a maior parte dos clubes não enfraqueceram. Até os dias atuais, mesmo clubes que não disputam mais a primeira divisão mantêm um vínculo muito forte do associativismo que já existia desde a formação dos clubes no início do século XX — explica o professor Alvaro do Cabo, doutor em História Comparada pela UFRJ e pesquisador do futebol argentino. Segundo ele, até mesmo clubes com a dimensão de Boca e River mantêm essa conexão.

— Já estive em bailes no Chacarita Juniors, já tive a possibilidade de assistir o All Boys no Islas Malvinas. Andando pela pela vizinhança, a gente percebe claramente uma conexão muito grande dos moradores próximos com os clubes. Mesmo os grandes, com um âmbito de torcida nacional, como o Boca e o River, próximos a suas sedes, como no bairro de La Boca, em Buenos Aires, há uma integração muito grande com as comunidades.

Torcedores assistem à final da Libertadores em La Boca — Foto: Emiliano Lasalvia / AFP
Torcedores assistem à final da Libertadores em La Boca — Foto: Emiliano Lasalvia / AFP

Jornalista brasileiro radicado na Argentina, Gustavo Mehl também ressalta a cultura dos clubes de bairro. E fala em uma camada ainda mais profunda, política, na resistência ao modelo.

— É uma cultura de clube associativo ainda muito viva, somada a uma de anti-neoliberalismo muito forte também. Há sempre muita organização de classe trabalhadora contra grandes investidores no ambiente, no imaginário argentino. A soma desses dois fatores bem visíveis pra quem vem morar aqui dá o tom dessa resistência, sempre muito bem armada e uníssona quando vieram esses assuntos de clube-empresa.

Discussão antiga

O filho do jornalista, de 10 anos, atua no futsal do Argentinos Juniors. Frequentador do clube (e de outros na região de Buenos Aires), ele vê o movimento, de prática esportiva a espaço de comunhão social, de perto.

— Você chega numa sexta-feira, fim de tarde, e o clube está explodindo. Cheio de área verde, churrasqueiras para convívio, quadras, com a vida super ativa. Todos sócios e todos frequentando cotidianamente o clube. Isso é muito visível.

Jogo de futsal no Sportivo Pereyra, em Barracas, Buenos Aires — Foto: Gustavo Mehl/Arquivo Pessoal
Jogo de futsal no Sportivo Pereyra, em Barracas, Buenos Aires — Foto: Gustavo Mehl/Arquivo Pessoal
Dia de churrasco e lazer na sede do Argentinos Juniors — Foto: Gustavo Mehl/Arquivo pessoal
Dia de churrasco e lazer na sede do Argentinos Juniors — Foto: Gustavo Mehl/Arquivo pessoal

O “fantasma” das SADs volta à tona sempre que o futebol do país entra em crise, especialmente as financeiras. A última delas foi em 2016, quando foi criada a Superliga Argentina, uma iniciativa de autogestão paralela à Associação de Futebol da Argentina (AFA), com 30 clubes, que organizou a primeira divisão por três temporadas (até seu fim) e tinha como objetivo uma profissionalização maior nas administrações dos clubes profissionais.

Na assembleia que ratificou a liga, chamada de “refundação do futebol argentino” por Claudio Tapia (hoje presidente da AFA), o dinheiro pago pelo governo na compra dos direitos de TV do campeonato — prática antiga no país via programa de democratização de transmissões “Fútbol para Todos”, bandeira da ex-presidente Cristina Kirchner— passou a ser dividido de forma diferenciada (envolvendo audiência, resultados e sócios) entre clubes e a própria AFA, numa tentativa de equilibrar a teia financeira e frear uma situação dramática de caixa, que poderia fazer as SADs voltarem a ganhar força.

O receio se dava principalmente por que tudo aconteceu durante o governo (e sob influência) de Mauricio Macri, um entusiasta do modelo de sociedades anônimas desde que presidiu o Boca, de 1995 a 2007. No ano seguinte, ele decidiu pelo fim do investimento no “Fútbol para Todos” e criticou as gestões dos clubes do país. Macri, que hoje apoia Milei, apresentou uma das principais propostas de introdução das sociedades anônimas no país à AFA em 1998. Acabou sofrendo derrota acachapante, sendo o único voto favorável em 25. Mas manteve essa bandeira ao longo dos anos.

Macri é um entusiasta das SADs — Foto: Javier SALVO / ATON CHILE / AFP
Macri é um entusiasta das SADs — Foto: Javier SALVO / ATON CHILE / AFP

Macri tenta retornar

As SADs nunca entraram, mas outros experimentos deixaram feridas em clubes como Talleres e Racing. Quebrados financeiramente (o Racing chegou a ter a dissolução determinada pela Justiça em 1999), os dois se submeteram ao modelo chamado por lá de gerenciamento, uma gestão do futebol por tempo determinado por parte de empresas e investidores. O Talleres se afundou em divisões inferiores e encerrou o processo com a eleição de Andrés Fassi em 2014, que tem tocado uma retomada de protagonismo da equipe de Córdoba. Ironicamente, Fassi vê as SADs com simpatia.

No time de Avellaneda, a experiência foi mais traumática. Depois de um título nacional em 2001, a Blanquiceleste, empresa que administrou o clube, se aprofundou na crise financeira e sofreu muita pressão da torcida até o rompimento do contrato, em 2008. “Ninguém precisa nos dizer o que significam as SADs num clube. Nossos sócios e torcedores, que recuperaram a democracia no Racing, sabem bem”, afirmou a equipe em seu pronunciamento no dia 12.

Principal entusiasta das SADs, Macri tenta voltar ao ecossistema do futebol argentino. Ele é candidato e principal voz da chapa oposicionista de Andrés Ibarra nas eleições do Boca Juniors, marcadas para o próximo dia 2. Candidato à primeira vice-presidência, enfrentará ninguém menos que Juan Román Riquelme, atual vice e diretor esportivo do clube, que encabeça a chapa da situação, com o atual presidente Jorge Ameal trocando de cadeira, como vice.

Mais recente Próxima Temporal cancela corrida de rua em vinícola de Bento Gonçalves e organizador promete voltar à região em 2024
Mais do Globo

Outros 63 ficaram feridos; grupo responsável é vinculado à Al Qaeda

Ao menos 32 mortos após atentado islamista em praia da Somália

Gabriel Medina, Bala Loka e Hugo Calderano são alguns dos atletas registrados em momentos únicos nos Jogos

Olimpíadas de Paris-2024: Brasileiros brilham em fotos surpreendentes

Será exposto no Museu o famoso pijama de seda usado na ocasião de sua morte

70 anos da morte de Getúlio Vargas: Rio terá atos na FGV e na ABI, além de exposição no Museu da República

Máscara mortuária da cantora é um dos itens que serão apresentados apenas neste fim de semana

Museu Carmen Miranda celebra um ano de reabertura com shows e exposição especial

Modalidade inédita do TSE dá opção para candidaturas se afirmarem cis ou trans e detalharem orientação sexual, mas ainda não teve forte adesão

Maioria dos candidatos no RJ e em SP ignora identidade de gênero e sexualidade no registro

Endereço no número 343 da Rua Cosme Velho foi residência do pintor na década de 1940

Casa onde morou Candido Portinari, no Rio, tem risco de colapso e sofre com roubos: 'Tristeza profunda', diz o filho do artista

Cruz-maltino vem de duas derrotas na competição e espera derrotar o Bragantino, no primeiro jogo do meia na casa do clube

Vasco busca retomada no Brasileiro na estreia de Coutinho em São Januário

Clube mergulhará em estudos específicos sobre o novo palco para definir produtos que irão à concorrência entre empresas interessadas, incluindo a obra em si

Após pagar por terreno, Flamengo inicia segunda fase de projeto de estádio; entenda o que será feito

Brasileiros Gabriel Medina e Tatiana Weston-Webb estão classificados para as semis

Olimpíadas: semifinais e finais do surfe estão adiadas; entenda motivo de tantas remarcações