Com a vitória surpreendente do bloco de esquerda (Nova Frente Popular) nas eleições legislativas da França, no domingo, jogadores da seleção do país — que estão disputando as semifinais da Eurocopa, na Alemanha — fizeram questão de se posicionar junto aos apoiadores do lado ganhador e comemorar a derrota do Reagrupamento Nacional (RN), partido de extrema-direita, nas urnas.
De textos a memes e até fotos sorrindo, amuletos da equipe como o atacante Kilyan Mbappé (Real Madrid), o volante Aurélien Tchouaméni (Real Madrid) e o ponta Ousman Dembelé (PSG) expuseram o alívio e a alegria após semanas de campanha contrária ao partido de direita.
Para Tchouameni, foi a “vitória do povo”, como escreveu em suas redes sociais. Já Jules Koundé comentou que “o alívio (da vitória) é igual à preocupação das últimas semanas (com o crescimento da extrema-direita nas urnas): imenso”. E Marcus Thuram comemorou a democracia escrevendo a frase "viva a diversidade, viva a República" no Instagram.
A dupla ofensiva Dembelé e Youssouf Fofana publicou fotos sorrindo logo após o resultado. Assim como Ibrahima Kanoté postou uma série de ícones representando um portão sendo fechado.
![Dembelé publica foto logo após resultado das eleições na França — Foto: Instagram](https://s2-oglobo.glbimg.com/ua06vO1bIl2uAoHzOy4M44pXp0A=/0x0:497x778/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/g/g/KxmCyXQ6ayAcYIvQRc5Q/htetegtegte.png)
Tanguy Baghdadi, professor de Relações Internacionais da Ibmec e da Universidade Veiga de Almeida (UVA), argumenta que a sociedade francesa é reconhecida justamente por essa politização, mas que é raro ela acontecer de forma tão evidente por parte de atletas.
— A gente não vê isso acontecendo em lugar algum — disse o professor. — Pegou a todos de surpresa, uma manifestação tão grande assim, porque normalmente os jogadores evitam se declarar dessa forma, por terem medo de eventualmente perder contratos ou terem a carreira travada.
De acordo com Baghdadi, o sucesso recente da seleção no futebol — campeã do mundo em 2018 e da Liga das Nações em 2021 — e o entendimento da urgência em combater uma direita que tem como um dos pilares segregar imigrantes foram fatores decisivos para o posicionamento dos atletas.
Esse movimento é muito significativo para uma seleção formada por uma grande quantidade de filhos de imigrantes. Não à toa, os seis que se posicionaram abertamente sobre as votações são franceses nascidos na França, mas filhos de imigrantes de diferentes regiões, principalmente de países africanos, como Argélia, Camarões e Benin.
— Essa seleção tem grandes jogadores. Eles já ganharam muito e estão acostumados às críticas (xenofóbicas) na derrota. Costumo relembrar a fala de Karim Benzema: 'Quando ganho, sou francês; quando perco, sou argelino". Eles pensam: "Se ganharmos, somos os exemplos da França; se perdermos, seremos escorraçados, então vamos nos manifestar". Se têm pouco a perder, vale a pena.
Mesmo que não haja uma forma de mensurar os impactos de seus discursos no engajamento de eleitores, no fim das contas os jogadores se mostraram com a sensação de dever cumprido.
Mbappé foi 'capitão' do movimento
Com a vitória do RN na votação para o Parlamento Europeu — o legislativo de todos os países da União Europeia —, o presidente da França, Emmanuel Macron, antecipou a votação legislativa nacional para 30 de junho (em que o RN terminou na frente, mas sem maioria), com segundo turno em 7 de julho.
O crescimento da sigla de direita nas eleições continentais e de primeiro turno do país levou Mbappé, capitão e principal nome da seleção francesa, a usar os holofotes da Eurocopa para argumentar que "os extremistas estão a tomar o poder” e apelar “a todos os jovens para que votem e compreendam os nossos valores de tolerância”.
O ex-jogador e ídolo da seleção francesa Thierry Henry endossou o discurso do atacante, assim como Marcus Thuram, Tchouameni — companheiro de equipe e seleção de Mbappé — e Dembélé.
Além deles, o ex-são paulino Rai, que fez História em Paris dentro dos campos, discursou em um comício da esquerda dias antes do segundo turno.
Agora, o próximo desafio será nesta terça-feira, quando a equipe francesa enfrenta a Espanha em busca da vaga na final da Eurocopa.