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Esportes Marcelo Barreto

Marcelo Barreto: O Flamengo adotou o bolsonarismo?

Bandeira do relaxamento do isolamento social agora é também vermelha e preta

Jair Bolsonaro foi eleito com 57 milhões de votos no segundo turno. É possível que entre eles estivessem os de Rodolfo Landim e Márcio Tannure. Presidentes e médicos de clubes de futebol têm direito, como qualquer outro cidadão, a eleger seus representantes políticos. E também é legítimo que, no exercício de suas funções, visitem o presidente da República, falem de futebol com ele, defendam o que consideram ser o interesse do Flamengo e o presenteiem com uma camisa rubro-negra. O conjunto de acontecimentos que levou a uma das fotos mais comentadas de uma semana em que não faltou assunto em Brasília está longe de ser o primeiro e não será o último do gênero.

O Flamengo pode até pedir apoio a Bolsonaro; mas, como instituição, não pode apoiá-lo. Seria, isso sim, ilegítimo — numa conta muito grosseira, projetando os 55,13% dos votos que elegeram o presidente nos 40 milhões de torcedores que o DataFolha calcula ter o clube, esse alinhamento estaria em desacordo com quase 18 milhões de rubro-negros. E, na interpretação que a própria diretoria atual faz do estatuto do clube, é proibido envolvê-lo em manifestações políticas.

Se partirmos do princípio de que Landim e Tannure foram a Brasília apenas pedir ajuda ao presidente para que o clube voltasse a treinar, nem seria preciso continuar a coluna. Mas a visita tem um sério problema cronológico: no dia seguinte, a comissão técnica de Jorge Jesus e os jogadores já estavam em campo, fazendo atividades que ainda eram proibidas pela prefeitura do Rio de Janeiro.

De lá para cá, a prefeitura já deixou de ser um problema para o Flamengo. Primeiro, a secretária de Saúde do município disse não saber se as atividades eram apenas de fisioterapia ao ar livre, o que as imagens captadas pelo Globocop já mostravam. Depois, um fiscal foi barrado no portão do Ninho, sob a prosaica alegação de que não havia um funcionário disponível para recebê-lo. E, finalmente, o prefeito Marcelo Crivella foi chamado a Brasília e convencido por Bolsonaro, de cujo apoio depende para ser reeleito, a derrubar a proibição dos treinos.

O governador Wilson Witzel, que precisa renovar a concessão do Maracanã, tirou o corpo fora, alegando que só é contrário à realização de jogos com público e que cada clube terá de se responsabilizar pela segurança de seus treinos. Outro problema a menos: o Flamengo já tinha em mãos uma carta assinada em conjunto por seus jogadores, que logo depois começaram uma ação orquestrada de posts nas redes sociais dizendo-se saudosos da bola e elogiando as condições sanitárias (que não são iguais para todos; muitos funcionários ainda precisam usar o transporte público para ir ao Ninho).

Com essa rede de apoio, o Flamengo treinou até o fim da semana em que as mortes pela Covid-19 passaram de mil por dia no Brasil. Como contrapartida, o clube mais popular do país se torna um poderoso trunfo para o presidente da República — cuja bandeira do relaxamento do isolamento social agora é também vermelha e preta. Se o palmeirense Bolsonaro quiser virar a casaca, não há lei que o impeça. Já o Flamengo virar bolsonarista... É difícil dizer jamais no futebol brasileiro, mas os muros da Gávea sabem que não será uma decisão tranquila.