Olimpíadas
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(*Saltadora, em depoimento à repórter Carol Knoploch)

Eu cansei de falar dos momentos polêmicos da minha carreira. Hoje, olhando para trás, vejo que reportagens sobre meu corpo, publicadas à época do Pan de Toronto, em 2015, ou sobre meus relacionamentos, como ocorreu nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, não cabem mais no mundo atual. Meu corpo, meus relacionamentos, o que faço ou deixo de fazer e quem estou namorando não devem prevalecer sobre os meus resultados esportivos.

Ingrid Oliveira — Foto: Hermes de Paula
Ingrid Oliveira — Foto: Hermes de Paula

Vou participar dos Jogos Olímpicos pela terceira vez, tenho duas medalhas em Jogos Pan-americanos e alcancei o melhor resultado dos saltos ornamentais do Brasil na história dos Campeonatos Mundiais. Não é pouca coisa.

Nós, mulheres, conquistamos a duras penas um caminho de respeito e, de certa forma, de igualdade. Em Paris, vivemos a primeira edição olímpica em que há o mesmo número de vagas para homens e mulheres. E temos tudo para repetir o protagonismo feminino do Brasil do Pan de Santiago-2023.

Sempre fomos talentosas e competentes, mas faltavam — e ainda faltam — oportunidades e investimentos. Não se chega a este patamar, à disputa de uma Olimpíada, porque se é bonitinha. O lugar em que estamos aqui e agora é nosso por mérito. E o que ocorre hoje é um “cala a boca” para quem duvida de que sim, nós podemos.

Em 2016, sofri com o machismo e a hipocrisia de muitos. Algo que não ocorreu com quem tive um affair. Vocês acham o quê? Que não rola nada na Vila Olímpica? O que me deixou mais chateada à época foi a enxurrada de críticas direcionadas apenas a mim, a mulher. Informações erradas foram publicadas até pela imprensa estrangeira... Para atualização: não teve uma briga com minha parceira de quarto, ninguém passou a noite comigo e não me relacionei com ninguém às vésperas da competição.

Tenho certeza de que esses episódios, tanto da minha foto de maiô em Toronto-2015 quanto o da Vila na Rio-2016, se acontecessem hoje, não teriam a mesma repercussão. Então, se você acha que vai ler mais sobre isso, pode parar por aqui. Mas, se quer saber mais sobre parte da minha história, venha comigo.

Ingrid Oliveira — Foto: Hermes de Paula
Ingrid Oliveira — Foto: Hermes de Paula

Caí e levantei várias vezes. Muitas. E ainda preciso lutar contra meus demônios. Sempre. Essa minha trajetória, lá e cá, me trouxe a Paris. Não sem uma parada obrigatória no Mundial de Budapeste, em 2022. Foi um torneio importante pelo resultado — quarto lugar na plataforma 10m —, o melhor do Brasil na história da modalidade. E também por ter me sacudido. Chegar ao top 5 mexeu comigo, muita coisa guardada de vários anos veio à tona.

Ao voltar a Budapeste, em 2022, lembrei-me da edição de 2017, quando havia terminado a mesma competição em último lugar. Sendo que, num evento preparatório, na cidade de Bolzano, na Itália, sofri estiramento no abdômen e não consegui treinar para o Mundial. Espirrava e parecia que estava parindo.

Tinha trauma da plataforma de Bolzano. Além dessa participação em 2017, teve uma em 2021, ano olímpico. Voltei a esse local, estreando salto novo, com grau de dificuldade maior. Não queria ir. Lembrava-me dos treinos na piscina fechada em 2017. Um terror! O teto é baixo, e, sem a luz do sol, a piscina fica escura. A gente perde um pouco a referência durante o salto. E vem o medo de entrar errado na água e se machucar.

No dia do embarque, descobri que a competição em Bolzano aconteceria justamente na piscina fechada, e não na aberta. Travei. Tinha medo de estragar minha Olimpíada de 2021. Meu treinador, Alexander Ferrer, me enfiou no avião. No primeiro dia, de tão tensa, estirei a coxa. Chorava tanto que vários treinadores perguntavam o que se passava. Tive uma semana para me recuperar, e o que aconteceu? Fui ouro no Grand Prix de Bolzano (10m).

Vitória no Canadá

Claro que, quando voltei a Budapeste, em 2022, relembrei todo esse turbilhão. Já estava em boa fase, vinha de vitória na preliminar de um Grand Prix em Calgary, no Canadá, contra as chinesas, que são as melhores do mundo. Minha expectativa era alta, mas como encarar tudo o que eu havia passado? Era um fantasma para mim. Mas, na competição, após o último salto, vi que tinha ido bem. Foi uma volta por cima, minha primeira final de Mundial. Fui regular e competi de igual para igual contra as chinesas.

A parte mental é extremamente importante, é fundamental. Tanto para o lado bom, da confiança, quanto para o lado ruim, da descrença. E a felicidade após o Mundial de Budapeste, em 2022, me trouxe questões psicológicas, mágoas guardadas lá dentro voltaram.

Mesmo após um resultado histórico, ouvi muitos comentários assim: “Desde quando o quarto lugar virou medalha?”. Esse foi o gatilho para tudo vir à tona. Faço parte de uma geração com domínio das chinesas. A disputa é pelo bronze. Se fui quarta... Não era possível que as pessoas não soubessem desse contexto. Tentavam me desvalorizar novamente.

Aos prantos na borda da piscina

Fiquei alguns meses afastada. Não tinha vontade de treinar. Quando ia para a piscina, ficava aos prantos na borda. Foi a minha coach, Nell Salgado, quem me mostrou o quadro completo: eu estava em depressão. Ao menos, consegui falar, botar tudo para fora.

Na minha cabeça, eu precisava ter um excelente resultado para poder falar o que havia passado. Achava que só seria validada e compreendida se conseguisse fazer algo histórico. Poxa, provei minha capacidade, e as pessoas não valorizavam isso? Minha cabeça explodiu. Quando retomei os treinos, achava que ia morrer. Tinha medo de tudo. Voltei às competições em 2023 e já estava segura, com domínio do meu corpo. Mas ainda tomo remédios.

Conquistei vaga para Paris-2024 no Mundial de Fukuoka, em 2023. Tinha de chegar à final. Mas, por conta de lesões no punho e nas costas, fui ao Japão com pouco tempo de treino. Foi puxado, com provas em sequência. Cheguei à final, atingi meu objetivo e novamente fiz História. Garanti a vaga olímpica com um ano de antecedência (ela e Isaac Souza, cortado de Paris-2024 por lesão). Mas terminei em 12º. No terceiro salto, errei. Tive medo de bater a cabeça na plataforma, estava muito perto, me encolhi e dobrei a perna. A gente sente, é acostumado aos movimentos, e, quando algo sai do script, dá medo, sim.

De altura, não tenho mais... Tinha. Na minha primeira vez, aos 14 anos, na plataforma do Fluminense, fiquei 40 minutos para saltar. Hoje, aos 28 anos, estarei na plataforma de Paris mais forte, superando dores, preconceito, machismo... e a mim mesma. Vou em busca da melhor prova da minha vida.

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