Quando o Rio venceu a eleição para cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016, uma grande expectativa foi criada em torno dos resultados esportivos do Brasil naquela edição do evento. Mas, para correspondê-la, era preciso investir alto na formação de novos atletas. Com o objetivo de acelerar o desenvolvimento de diversas modalidades, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) adotou como estratégia a contratação de treinadores estrangeiros.
Impulsionado pelo orçamento dos patrocinadores oficiais dos Jogos, o COB trouxe ao país mais de 40 técnicos estrangeiros, alguns deles consagrados, como o argentino Rubén Magnano, campeão olímpico de basquete com seu país natal em Atenas-2004, e o croata Ratko Rudic, quatro vezes medalha de ouro no polo aquático.
Paris 2024: Delegação brasileira desfilando em barco durante a abertura dos jogos olímpicos 2024
Mas tal realidade se mostrou insustentável após a Rio-2016 e, a partir de então, treinadores brasileiros começaram a recuperar o espaço. A ponto de se tornarem protagonistas nas principais conquistas olímpicas em Tóquio-2020 e serem figuras-chave na busca por novo recorde de medalhas em Paris-2024.
— Desde o início do projeto de contratação de treinadores estrangeiros pelo COB, a ideia era que eles pudessem deixar um legado e preparar uma nova geração de técnicos brasileiros, que possuíam, em sua maioria, grande conhecimento técnico e vivência nas modalidades como atletas, mas necessitavam de mais experiência liderando a preparação — explica Ney Wilson, Diretor de Alto Rendimento do COB.
experiência adquirida
Atualmente, sob regime de prestação de serviços, o COB possui acordo com oito estrangeiros. Sete técnicos brasileiros, por sua vez, são contratados via CLT. E são estes últimos que têm impulsionado as conquistas do país nas competições internacionais.
Treinador de Rebeca Andrade, Francisco Porath incorporou os ensinamentos de diversas referências da ginástica artística: o ucraniano Oleg Ostapenko, o russo Alexander Alexandrov e o norte-americano Valeri Liukin, este último consultor da seleção feminina. Aliado ao conhecimento que já tinha, deixou a equipe com a sua cara e viu Rebeca se tornar a primeira ginasta brasileira a conquistar uma medalha olímpica (ouro no salto e prata no individual geral em Tóquio-2020) — ontem, ele comemorou mais uma medalha inédita: o bronze por equipe em Paris.
Trajetória semelhante tem Lauro de Souza Júnior, treinador de Isaquias Queiroz. Conhecido como Pinda no meio da canoagem, ele assumiu o lugar do espanhol Jesús Morlán, que viria a falecer em novembro de 2018, em decorrência de um tumor cerebral.
— No início, as pessoas acreditavam que eu estava apenas reproduzindo o que o Jesús tinha deixado. É claro que ele transformou a minha carreira profissional, mas o que existia era uma metodologia de trabalho e que fui adaptando para o que eu acreditava — diz Pinda.
Morlán foi o principal responsável por Isaquias conquistar três medalhas na Rio-2016 (duas de prata e uma de bronze), as primeiras da canoagem brasileira na história olímpica. Mas foi Pinda quem levou o canoísta baiano ao lugar mais alto do pódio, apesar de toda a pressão sofrida:
— Meu primeiro grande desafio foi em agosto de 2019, no Mundial de Szeged (Hungria), que era classificatório para os Jogos de Tóquio. Algum tempo antes, tivemos uma etapa de Copa do Mundo, sabíamos que não entraríamos fortes na competição e, como o resultado não veio, já houve uma pressão sobre mim. Depois, conseguimos ser campeões mundiais de forma dominante, mas ainda havia a história de que o Jesús tinha deixado todo o treinamento pronto. Veio a pandemia, o adiamento dos Jogos e, mesmo assim, ganhamos em Tóquio-2020 novamente de maneira incontestável. Ali passei a ser respeitado e reconhecido como treinador.
Um terceiro caso emblemático é o de Mateus Alves, do boxe. Promovido ao cargo de head coach da seleção brasileira em 2017, transformou sua modalidade em carro-chefe do Time Brasil na última edição dos Jogos, com uma medalha de cada cor.
sem complexo de vira-lata
Mateus foi contratado pela Confederação Brasileira de Boxe (CBBoxe) em 2011, quando a entidade se tornou uma das beneficiadas de um programa de incentivo da Petrobras, que repassava verba a ser gerida pelo Instituto Passe de Mágica, de Magic Paula. Chegou como auxiliar e esperou alguns anos até ser promovido a treinador principal. Por trás disso tudo, havia Otílio Toledo. Foi em uma viagem para Porto Alegre voltada à capacitação de treinadores que o diretor técnico da confederação conheceu e se impressionou com Mateus.
— Fiz um curso em 2010 para uns 40 alunos e quem mais sugava o meu conhecimento era ele. Não sossegava, não parava de perguntar as coisas — revela Otílio.
Segundo o cubano, Mateus hoje é uma referência internacional dentro do boxe olímpico. Seu trabalho à frente da seleção faz com que os adversários queiram entender o que está por trás do sucesso brasileiro nos ringues:
— Outros países, como Colômbia e Itália, sempre nos procuram para fazer intercâmbio e querem que o Mateus esteja presente.
Juntos, Francisco Porath, Lauro Pinda e Mateus Alves foram responsáveis por seis das 21 medalhas do país em Tóquio-2020, sendo três ouros. Em Paris-2024, superar o total de pódios conquistados em relação à última edição dos Jogos passa diretamente pelo sucesso de suas modalidades. E por uma nova imagem do treinador brasileiro no cenário internacional.
— O esporte brasileiro está mudando: vamos às competições e somos respeitados. Os europeus vêm atrás de nós para estágios e saber mais da nossa metodologia. Está acabando esse complexo de vira-lata de que o treinador brasileiro não presta — finaliza Pinda.