Depois do trauma em Tóquio-2020, quando desistiu de algumas finais e deu uma pausa na carreira para cuidar da saúde mental, o que os Jogos Olímpicos de Paris-2024 reservariam para Simone Biles? De lá para cá, a estrela da ginástica artística mundial jogou luz em um assunto vital para o esporte e a sociedade, reergueu-se e, aos 27 anos, chegou a Paris como uma das personalidades mais aguardadas entre os mais de 10 mil atletas que viriam a competir.
Novamente, todos os holofotes estavam sobre ela. Uma pressão e tanto para quem passou por tanta coisa na vida e na carreira. E em uma época em que a internet parece cada vez mais tóxica, como Biles, tão ativa nas redes sociais, lidaria agora com 12,4 milhões de seguidores no Instagram e 5 milhões no TikTok (mais do que o triplo de três anos antes)? Evitar? Que nada. Seguiu tão ativa quanto antes, interagindo, compartilhando treinos, experiências, bastidores, desabafos, elogios e mensagens motivacionais, desta vez acompanhada de perto também pela equipe de um documentário que está sendo gravado sobre sua volta por cima.
Se em Tóquio as redes sociais de Biles foram um mural onde ela externou seus fantasmas e o momento em que chegou ao limite da pressão mental, em Paris o que se viu foi um momento de contemplação de uma atleta preparada para encarar os holofotes e até mesmo uma cobrança interna por resultados.
Primeiros dias de euforia com o retorno às Olimpíadas
Simone chegou a Paris em 22 de julho, quatro dias antes do início dos Jogos. Os primeiros dias em solo francês foram de euforia com a sua participação em Olimpíadas. Todos os símbolos olímpicos eram registrados por ela. Mostrou também a rotina de treinos, sua sintonia com as companheiras de equipe, compartilhou o carinho de familiares, amigos e fãs e manifestou amor pelo marido, o jogador de futebol americano Jonathan Owens, que depois a acompanharia de perto. A empolgação era tanta que Simone levou pins personalizados, que distribuiu a atletas na Vila Olímpica.
Não foram poucas as vezes em que ela usou seus stories para compartilhar momentos felizes durante as Olimpíadas: foram posts com memes, a celebração da amizade com as colegas e festa pelas conquistas, sempre destacando o quanto se dedicou e valorizando tudo o que superou.
"Pequena garota, grandes sonhos"
Em uma de suas postagens, pôs lado a lado uma foto de quando era criança e uma atual e escreveu: "Faça por ela. Pequena garota, grandes sonhos".
E foi pelo sonho de criança que ela reforçou que "saúde mental importa" na legenda de uma foto em que aparecia meditando, no dia da grande final do individual geral, quando levou a medalha de ouro. Antes de se apresentar na trave, inclusive, Biles foi flagrada usando palavras de afirmação para se manter concentrada. "Você consegue", disse. E conseguiu.
"Saúde mental importa"
A saúde mental foi tema recorrente em suas publicações. Ela destacou a importância da terapia para que pudesse voltar às competições e voltar a disputar uma Olimpíada e agradeceu ao suporte dos fãs.
- Eu não achava que voltaria a competir novamente. Porque eu fiquei aterrorizada com a ginástica e os giros. Havia muito trauma. Eu tive que trabalhar muito. Por isso, gritei por minha terapeuta e por minha terapia.
Reverência a 'maior rival' Rebeca
Se em Tóquio a maior adversária de Simone Biles foi sua própria cabeça, em Paris a americana foi desafiada por uma brasileira, Rebeca Andrade. As duas protagonizaram quase todas as disputas da ginástica artística, no individual geral, nas finais por aparelhos – em que, curiosamente, se classificaram para todas as mesmas decisões, exceto a trave – e liderando suas equipes. Conquistou o ouro por equipes, no geral e no salto, mas, na última disputa, viu Rebeca superá-la no solo.
Embora a brasileira tenha “estragado” seu grand finale, Biles levou a rivalidade da forma mais saudável possível. Tanto que em seu último post no feed até o fim das Olimpíadas, a única imagem de pódio que publicou foi da reverência que fez junto com Jordan Chiles a Rebeca.
A "obsessão" de Simone com Rebeca, possível de ser vista nos olhares e feições durante as competições foi admitida pela própria americana em suas redes. Durante um "get ready with me" ("arrume-se comigo" em português -- vídeo viral nas redes em que a pessoa comenta algum assunto enquanto se arruma), ela falou sobre a brasileira:
- Olha. Vou falar para vocês: Rebeca é boa. Ela é boa. Eu diria que ela é a minha maior rival. Nós temos pontuações bem parecidas no geral. Faz tempo que eu não tenho uma rival assim. Mas estou realmente empolgada em competir com ela. Ela é super doce e superou algumas lesões, então vê-la de volta aqui arrasando é incrível. Estou animada. Será bom - disse na véspera de uma das finais.
Simone Biles elogia Rebeca Andrade em suas redes sociais
Solidariedade e empatia
A saúde mental voltou à pauta quando Biles mostrou empatia com a companheira de equipe Jordan Chiles, que teve a medalha de bronze no solo retirada por um recurso da Romênia depois da competição. "Estou te mandando muito amor, Jordan. Levanta a cabeça, campeã olímpica. Nós te amamos", escreveu Biles.
Jantares, compras e passeios
Paris não terminou para Biles quando acabaram suas competições, em 5 de agosto. Ela tirou os últimos dias de Olimpíadas para ser mais uma turista na Cidade Luz. Foi a pontos turísticos, restaurantes, saiu com a família para um almoço em comemoração ao aniversário do pai. Também acompanhou outras competições, passando uma tarde no Stade de France para ver o atletismo.
Ainda encontrou tempo para tomar um banho de loja. Registrou-se dando-se ao luxo de ir a uma loja da grife Hermès e, em um dos passeios, comprou uma bolsa Millionaire Speedy, modelo da Louis Vuitton vendido sob encomenda, que custa R$ 5 milhões.
Do fardo à leveza
Simone Biles saiu destes Jogos Olímpicos com três medalhas de ouro e uma de prata que, somadas às sete anteriores, a colocam como um dos maiores nomes da história da ginástica e do esporte mundial. Mas, mais do que a redenção esportiva, esta edição foi sobre como a ginasta, com a saúde mental em dia, encarou as Olimpíadas. De maneira leve, sem deixar o lado competitivo de lado.
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Enquanto Tóquio-2020 foi um fardo, em Paris, Biles pôde aproveitar a experiência olímpica em sua plenitude. Do primeiro até o último dia, literalmente, ao participar da cerimônia de encerramento, segurando a bandeira das Olimpíadas ao lado da prefeita de Los Angeles, Karen Bass, representando a próxima sede dos Jogos.
Se três anos atrás, a supercampeã já havia mostrado que também era humana ao reconhecer os limites do próprio corpo e mente, nestas Olimpíadas, ao reverenciar Rebeca e sair realizada mesmo sem ter conquistado tudo, mostrou também ser uma grande esportista.
-- Realizei muito mais do que meus sonhos mais loucos. Não apenas nesta Olimpíada, mas no esporte. Há alguns anos, eu não pensava que estaria de volta a uma Olimpíada. Então, competindo e saindo com quatro medalhas, não estou chateada com isso. Estou muito orgulhosa de mim mesma.