O GLOBO nasceu de alma carioca, mas com uma antena para captar novidades do Brasil todo. Logo no primeiro número, a primeira página informava sobre um “perigosíssimo buraco” no Engenho Novo, mas também trazia notícia sobre as intenções do empresário Henry Ford de construir uma fábrica de borracha no Pará. Ao longo dos anos, essa identidade foi reforçada com reportagens especiais e coberturas robustas de acontecimentos que definiram o Brasil. Em 1927, o jornal publicou uma crônica em capítulos sobre a Coluna Prestes, que percorrera o país em campanha contra o governo. Em 1930, lá estava o repórter Roberto Marinho, no Palácio Guanabara, registrando a deposição do presidente Washington Luís e o fim da República Velha. Em 1956, o jornal venceu o 1º Prêmio Esso de Jornalismo — e receberia dezenas de outros nas décadas seguintes — com o relato do repórter que passara seis meses num sanatório público. Aqui relembramos alguns desses momentos.
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AS FEBRES DO OURO
Em 1952, O GLOBO noticiou o início da primeira corrida do ouro na Floresta Amazônica, na região do Rio Jari, no Amapá. A partir de então, diferentes ondas levaram milhares de pessoas a enfrentar a selva atrás do metal precioso. O maior desses movimentos começou em 1980, em uma colina da Serra dos Carajás, no sudeste do Pará, chamada Serra Pelada. Ao fim daquele ano, havia cerca de 30 mil garimpeiros no local. Em 1984, o número tinha mais que dobrado. Dois anos depois, uma reportagem do jornal com o título “Serra Pelada: a cobiça fez do garimpo um barril de pólvora” (foto) descrevia o clima de guerra motivado pela disputa de poder e pela concentração de riqueza nas mãos de poucos. Violência e corrupção estavam por toda parte, enquanto se temia que o governo entregasse a jazida à Vale do Rio Doce, dona das terras. No ano seguinte, dezenas de garimpeiros foram mortos por policiais e militares no Massacre da Ponte.
CRISE NA REPÚBLICA VELHA
Em outubro de 1930, um jovem Roberto Marinho era o repórter escalado para aguardar, do lado de fora do Palácio Guanabara, a saída do então presidente Washington Luís, que acabara de ser deposto pelo golpe que levou Getúlio Vargas ao poder, pondo fim à República Velha. Quando percebeu que um carro do político estava para deixar o local, o jornalista carioca espalhou galhos de árvore na rua. Assim, ele criou um obstáculo que obrigou o veículo a reduzir a velocidade ao sair do prédio. A pausa proporcionada foi o bastante para que o fotógrafo registrasse o mandatário deixando o palácio no banco de trás do carro. A imagem do momento histórico mereceu mais da metade da capa do GLOBO daquele dia 24 de outubro.
FIM DA ERA VARGAS
Semanas após o suicídio de Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954, O GLOBO publicou um caderno especial com detalhes inéditos sobre os eventos que levaram ao atentado contra o jornalista Carlos Lacerda e à morte do então presidente. Inovação editorial na época, o caderno intitulado “O livro negro da corrupção” tinha como conteúdo principal o relatório inédito da Aeronáutica sobre o histórico atentado.
LOUCURA
Em 1956, o repórter José Leal entrou na Redação com uma história e tanto. Por seis meses, em luta contra o alcoolismo, ele ficara internado num sanatório público, o Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Ele relatou a vivência dentro da instituição na reportagem “180 dias na fronteira da loucura” e conquistou o primeiro Prêmio Esso de Jornalismo do GLOBO.
MEMÓRIAS DA COLUNA PRESTES
Irineu Marinho fundou o jornal numa era de ebulição política no Brasil, com o desgaste da chamada República Velha, alvo de revoltas do movimento tenentista. Em 1924, tivera início a Coluna Prestes, caravana contra o presidente Artur Bernardes. Liderada pelos militares Miguel Costa e Luiz Carlos Prestes, a marcha percorreu 13 estados brasileiros com cerca de 1,5 mil homens e durou mais de dois anos. Em janeiro de 1927, O GLOBO passou a publicar, em capítulos, uma crônica da expedição escrita pelo deputado gaúcho João Baptista Luzardo, único defensor da coluna no Parlamento, que conheceu o movimento por dentro e chegou a ser preso em 1925, acusado de conspirar contra Bernardes.
HOMENS DE BENS
O enriquecimento fora da curva de alguns políticos sempre foi um assunto no noticiário nacional, mas poucas reportagens mostraram isso de forma tão palpável quanto a série “Homens de bens da Alerj”. Publicado em 2004, o trabalho mobilizou os jornalistas Angelina Nunes, Alan Gripp, Carla Rocha, Dimmi Amora, Flávio Pessoa, Luiz Ernesto Magalhães e Maiá Menezes. Eles ficaram quatro meses imersos nas declarações de bens de deputados eleitos para a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) em 1998 e 2002. Depois, passaram mais dois meses em campo, documentando os sinais de riqueza. As reportagens expuseram casos chocantes de variação patrimonial. O trabalho conquistou o Prêmio Esso de Jornalismo daquele ano.
NOVAS VIDAS SECAS
Em 2013, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) homenageou o escritor Graciliano Ramos, um dos mais importantes romancistas brasileiros. Com esse mote, o repórter André Miranda e o fotógrafo Custodio Coimbra revisitaram, naquele ano, cenário e personagens descritos pelo autor no célebre romance “Vidas secas”, de 1938. A dupla percorreu o interior de Alagoas e Pernambuco, parando em cidades ligadas à trajetória de Graciliano, em meio à pior estiagem em cinco décadas. A viagem resultou em uma edição especial do suplemento Prosa & Verso, do GLOBO, publicada em junho de 2013. A reportagem, que também virou um e-book e ganhou o Prêmio Petrobras, trouxe a dura constatação de que as mazelas descritas por Graciliano continuavam afligindo a população local no século XXI.
A ASCENSÃO DAS MILÍCIAS
As milícias ainda não eram um tema presente no noticiário até que, no dia 20 de março de 2005, um domingo, O GLOBO publicou uma reportagem que intrigou os cariocas. “Milícias de PMs expulsam tráfico”, dizia o título do texto assinado por Vera Araújo, revelando que grupos de policiais e ex-policiais tinham tomado controle de 42 favelas na Zona Oeste do Rio. Além de popularizar o termo “milícias”, o trabalho relatou o crescimento dessa nova facção criminosa, que se tornou um dos principais problemas da segurança pública no estado.
ANOS DE CHUMBO
O GLOBO jogou luz sobre capítulos sinistros da ditadura militar. Em 1996, uma série de reportagens revelou detalhes sobre o massacre da guerrilha do Araguaia, nos anos 1970. Documentos inéditos do Exército mostravam que muitos mortos haviam sido presos antes de “desaparecerem”. O trabalho venceu o Prêmio Esso de Jornalismo. Em 1999, uma reportagem informou que o Ministério Público reabrira o caso do atentado no Riocentro (foto), após o inquérito inicial mascarar o envolvimento de militares no episódio de 1981. Em seguida, o jornal mergulhou no resgate do caso e venceu mais um Prêmio Esso de Jornalismo.
A PROVA
Ao mostrar nas páginas do GLOBO, em julho de 1992, que uma Fiat Elba do então presidente Fernando Collor fora comprada com cheque-fantasma do empresário Paulo César Farias, o jornalista Jorge Bastos Moreno (1954-2017) comprovou o esquema de corrupção que existia dentro do governo. Em setembro do mesmo ano, Collor renunciou ao cargo.
PAPÉIS FALSOS
Em novembro de 1998, durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no Palácio do Planalto, o jornal noticiou e acompanhou de perto o escândalo do “Dossiê Cayman”, um pacote de documentos falsos forjado com o intuito de atribuir crimes inexistentes a políticos do partido do governo, para prejudicá-los na eleição daquele ano, quando o próprio presidente da República disputava a reeleição. Cópias foram espalhadas e teriam sida adquiridas por membros da oposição (na foto, delegados da Polícia Federal falam sobre o esquema). Políticos como Paulo Maluf e Fernando Collor foram acusados de posse do dossiê A mesma documentação foi, supostamente, oferecida a líderes do PT, mas recusada.
A SAGA DE UM POVO ISOLADO
Em 1973, O GLOBO foi o único jornal a acompanhar os sertanistas Orlando e Cláudio Villas-Bôas no primeiro contato com o povo indígena então chamado de Krain-a-Kore, em Mato Grosso, durante a construção da estrada Cuiabá-Santarém. À beira da extinção, a etnia, cujo nome verdadeiro é Panará, foi levada para o Parque Nacional do Xingu dois anos depois. Já em 1996, uma série de reportagens assinada por Ascânio Seleme e Pedro Martinelli, mostrando a vida precária do povo na reserva, deu ao diário o Prêmio Esso de Informação Científica.
A DOR DOS MUTILADOS
Ao analisar dados não computados oficialmente, Felipe Grinberg e Rafael Galdo revelaram, em 2023, que 2.044 pessoas foram amputadas nos últimos 15 anos em todo o país devido à violência armada. “Mutilados” mostrou o drama dos feridos por arma de fogo e explosivos no Rio, que, com 88 vítimas, se tornou a capital nacional das mutilações. A série venceu a categoria Reportagem do Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, promovido pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos e OAB do Rio Grande do Sul. O ensaio de Márcia Foletto, que retratou as vítimas e mostrou fragmentos de projéteis venceu a categoria Fotografia