Da primeira edição do GLOBO para cá, as mudanças foram muito além do vocabulário. No histórico número 1, a seção esportiva tratava de tennis, box, turf, basketball e regatas. O football teve destaque na capa, com a notícia de que estudantes de Coimbra chegavam de Portugal para matches contra Fluminense e Vasco, um tour que se prestaria a estreitar relações “no domínio do pensamento e na força física”. Ao longo desses 99 anos, o jornal não só acompanhou os ciclos esportivos que ganhavam corpo como também os fomentou.
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em tudo no Rio caminha para o mar, e os esportes são um exemplo. As regatas, que no início do século XX arrastavam uma multidão para as competições na Praia de Botafogo, aos poucos davam lugar a um esporte emergente importado da Inglaterra, que caía nas graças da juventude. O GLOBO refletiu em suas páginas essa metamorfose do país do futebol, que ainda é, também, do automobilismo, do tênis, do basquete, do vôlei, do iatismo, do surfe.
O jornal teve papel decisivo para a concretização do Maracanã, com a campanha “E o estádio para a Copa do Mundo?”, numa época em que sua seção de esportes era comandada pelo jornalista Mário Filho, que por seu empenho na empreitada viria a dar nome ao local. Reportagens e entrevistas debatiam a importância de se ter um estádio monumental na cidade.
A relação do jornal com o futebol é umbilical, mesmo. Apenas quatro meses após sua fundação, O GLOBO enviou o redactor Manoel Gonçalves para a cobertura do Sul-Americano de 1925, em Buenos Aires. No mesmo ano, um Fla-Flu com uma plateia engalanada ganhava destaque — “brilhante partida de football jogada por tão valorosos clubs da nossa cidade”. Na Copa de 1938, na França, o técnico Adhemar Pimenta, ouvido pelo GLOBO ao telefone, “por intermédio de Radiobras”, vociferou: “O mais absurdo penalty da história do football não nos pode eliminar da Taça do Mundo”, disse ele, referindo-se à eliminação para os italianos. No fatídico Maracanazo, em 1950, o jornal resumiu: “Da expectativa fremente à decepção amarga.”
Nenhum outro esporte representa melhor a gangorra de sentimentos da nação que o futebol, com a alternância de alegrias e frustrações, vexames e vitórias retumbantes. Entre o “delírio no campo” saudando o primeiro dos nossos cinco títulos mundiais”, em 1958, e o “vergonha, vexame, humilhação” carimbado no dia seguinte ao fatídico 7 a 1, em 2014, O GLOBO mostrou histórias épicas bem como denunciou malfeitos.
Em algumas ocasiões, extrapolou a função de apenas noticiar o que acontecia em campos, quadras, pistas e canchas. Foi assim que criou o “Luvas de Ouro” e o “Luvas de Prata”, em 1955, competições que ajudaram a popularizar o boxe, com lutas a céu aberto pela cidade, reunindo milhares de pessoas. Com o mesmo espírito, apoiou o Circuito da Gávea, corrida de carros que reunia pilotos internacionais realizada entre 1933 e 1954. Nas décadas de 70 a 90, a modalidade ganharia protagonismo na época áurea do automobilismo nacional, com a ascensão de Fittipaldi, Piquet e Senna e seus oito mundiais.
A abordagem pessoal, ora bem-humorada, ora informativa, muitas vezes as duas, foi marca das colunas que se infiltraram no noticiário. Na época em que o turfe agitava o Jockey Club, a coluna O Pangaré (“órgão das aspirações cavalares”), nas décadas de 50 e 60, levou o universo das corridas de cavalo ao impresso. O hipismo era uma das paixões de Roberto Marinho (1904-2003), que começou a praticar o esporte aos 35 anos e conquistou seu primeiro campeonato em 1940, com o cavalo Arisco.
O escracho também deu o tom da Penalty, assinada pelo jornalista e cartunista Otélo Caçador, criador do “diploma de sofredor” e do “placar moral”. Com silhueta diferente, os irmãos Nelson Rodrigues e Mário Filho assinaram colunas nas páginas esportivas, assim como João Saldanha, que assumiu a função em paralelo com a de técnico da seleção, em 1970.
Esportes Olímpicos
O esporte serviu de campo também a inovações tecnológicas, como a imagem da nadadora Piedade Coutinho estampada na primeira página nos Jogos de Berlim, em 1936, a primeira telefotografia na imprensa brasileira. Em 1979, a partida entre Flamengo e Santa Cruz foi o cenário da primeira telefoto a cores transmitida no país.
Lado a lado com a cidade, O GLOBO também torceu para a escolha do Rio como sede do Pan-Americano de 2007, que seria aperitivo para a maior competição esportiva que a cidade já acolheu, a Olimpíada de 2016. “Olímpica e maravilhosa”, sintetizou o jornal.
Uma zona de interesse que se iniciou em 1928, com informações sobre os Jogos de Amsterdã entre anúncios das Vitrolas Orthophonica e de aulas de dança do charleston, e atravessou 99 anos dando ênfase às competições internacionais, indo além das disputas esportivas, como se deu nos ataques terroristas que marcaram as Olimpíadas de Munique-72 e Atlanta-96. Já na era digital, a urgência e a análise ganham corpo, como mostra neste 2024 a Olimpíada de Paris. Quem sabe não será a vez agora de Medina, no país de Pelé, Marta, Senna, Maria Esther, Joaquim Cruz, Guga, Scheidt.