Por Malu Gaspar

Eleições na Venezuela: Bate-boca entre Lula e Maduro também pode ser encenação útil para ambos

Por — Brasília


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ditador venezulano Nicolás Maduro durante recepção no Palácio do Planalto em maio Brenno Carvalho/O Globo

Nicolás Maduro não gostou de saber que Luiz Inácio Lula da Silva se disse assustado com a ameaça de que uma eventual derrota nas eleições do próximo domingo provocaria um banho de sangue. Pelo jeito, também não achou bom que Lula tenha aproveitado uma entrevista à imprensa internacional para afirmar que o banho tem que ser de voto e que o colega precisa aprender a respeitar o resultado das urnas.

De cima do palanque, Maduro respondeu: “Quem se assustou, que tome um chá de camomila”. E alfinetou: “Temos o melhor sistema eleitoral do mundo, são 16 auditorias. No Brasil, não auditam nenhuma ata”.

A troca de gentilezas pode fazer parecer que houve uma fissura na relação entre Lula e Maduro, como algumas fontes no governo andaram soprando nos bastidores. Os fatos, porém, não autorizam ir tão longe.

Dizer que Maduro tem de respeitar o resultado das eleições, claro, é bem melhor que dizer “o conceito de democracia é relativo”, como Lula já fez no passado. Contudo, no mesmo dia em que seu chefe se disse assustado e preocupado, o assessor especial do Planalto Celso Amorim declarou ao GLOBO que a democracia na Venezuela “está consolidada” e que não há razão para as sanções por parte dos Estados Unidos.

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“Confiamos que o governo venezuelano tomará todas as providências para garantir que as coisas corram dessa maneira [normalmente]”.

Amorim desembarca na Venezuela amanhã, e sua fala não deixa dúvida de que seu propósito é chancelar o resultado da eleição. Só que, desde que o processo eleitoral começou, Maduro já deu diversas mostras de que não levou a sério o compromisso assumido em outubro do ano passado em Barbados, diante de vários países, de garantir eleições livres, transparentes, com resultados aceitos por todos.

Em janeiro, o governo cassou a candidatura da principal adversária, María Corina Machado, alegando que ela participou de uma “trama de corrupção”, sem explicar exatamente do que se tratava. Depois, impediu o registro da substituta, Corina Yoris. Só permitiu a participação do atual desafiante, Edmundo González Urrutia, depois de muita pressão da comunidade internacional, incluindo o Brasil.

Prisão de opositores

De acordo com números de ONGs locais, só em julho o governo Maduro já prendeu 71 opositores, fechou estradas para impedir a passagem de adversários e, na semana passada, bloqueou o acesso a cinco sites de notícias. Além disso, mudou as regras para registro eleitoral dos exilados venezuelanos — 4 milhões, segundo a oposição; 69 mil, para o governo — , que não conseguem se habilitar para votar.

Em maio, o governo Maduro também cancelou o convite à União Europeia a que enviasse representantes para observar o processo eleitoral. Na prática, o regime escolhe a dedo os estrangeiros que acompanharão a votação e, ainda assim, seguindo seu próprio roteiro.

O grosso vem de países amigos de Maduro, como Bolívia, Honduras e Rússia, além de organizações como MST e Foro de São Paulo. Os quatro representantes da ONU que estão na Venezuela se comprometeram a não divulgar nenhum documento público sobre o pleito.

O Carter Center, ligado ao ex-presidente americano Jimmy Carter, já informou que só verificará situações de violação dos direitos humanos. Não acompanhará a votação nem a apuração.

Tudo isso mostra que, se tem algo que a democracia na Venezuela não está, é consolidada. E que a eleição está contaminada antes mesmo de a votação começar.

A julgar pelas pesquisas, num pleito limpo, a oposição teria grande chance de vencer. Quase todos os institutos, com exceção dos alinhados ao governo, mostram que González está bem à frente na preferência do eleitor, com algo entre 55% e 70% da intenção de voto, a depender do levantamento, ante no máximo 35% para Maduro.

Por isso a grande preocupação na comunidade internacional é com o que acontecerá depois da votação. Caso as urnas tragam a vitória de Maduro no domingo, a oposição dificilmente aceitará. Se porventura os oposicionistas saírem vencedores, o ditador também já adiantou que não larga o osso.

Numa primeira leitura, as declarações de Lula podem sugerir que ele está disposto a pressionar Maduro a deixar o poder caso perca. Mas também conferem ao brasileiro mais folga para para bancar o ditador venezuelano contra protestos da oposição derrotada, caso tal circunstância se imponha.

O que em princípio parece briga pode ser também uma encenação útil para ambos, Lula e Maduro. Só será possível conferir qual alternativa é verdadeira depois que forem anunciados os resultados da eleição de domingo. Até lá, haja chá de camomila.

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