As Forças Armadas já se preparam para a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao poder. Embora digam nos bastidores que "Lula não tem o nosso respeito" e tenham evitado contatos com emissários do petista ao longo da campanha, os generais da ativa já se resignaram com a iminente vitória do ex-presidente. E fizeram chegar aos petistas duas informações, por meio de interlocutores em comum.
O primeiro, expresso na última reunião do Alto Comando, no início de agosto, é o de que prestarão continência a quem for eleito – o famoso quem ganhar, leva.
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O segundo, considerado uma "cláusula pétrea" para garantir uma convivência menos conturbada, é não mexer nas regras aprovadas pelo Congresso em 2019 para a aposentadoria dos militares.
O projeto de lei sancionado por Bolsonaro assegura aos militares gratificações que, na prática, resultarão em aumento de salários, e tem regras mais suaves do que as dos civis. Não haverá idade mínima de aposentadoria, por exemplo, e a regra de transição será mais vantajosa.
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Entre os emissários petistas destacados para procurar ex-comandantes das três forças nos governo Lula, além de militares da reserva e escalões intermediários, a "clausula pétrea" foi recebida com naturalidade e até um certo alívio.
“Isso não está em discussão. Não está no programa de governo nenhuma discussão sobre previdência dos militares”, diz um integrante do núcleo duro da campanha de Lula.
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Os principais aliados de Lula escalados para essas conversas foram o ex-chanceler Celso Amorim, o ex-presidente do STF e ex-ministro da Defesa Nelson Jobim e o senador Jaques Wagner (PT-BA), cotado para assumir a chefia da Defesa em um possível governo Lula 3.0.
Generais ouvidos reservadamente pela equipe da coluna admitem que há um “constrangimento” com a possibilidade de Lula assumir o mais alto posto da República e voltar a ser chefe das Forças Armadas, após ficar 580 dias preso na superintendência da PF em Curitiba por ser condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Lava Jato.
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“Mas o constrangimento dura um mês e depois segue o baile. Já saímos de um cenário de ‘possível vitória de Lula’ para ‘cada vez mais provável vitória de Lula’”, comenta um general que atuou no primeiro escalão do governo Bolsonaro.
Apesar da desconfiança mútua, a avaliação é a de que a relação da caserna com um Planalto lulista será menos tensa que a vivida durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, quando foi criada a Comissão Nacional da Verdade, grupo que se debruçou sobre violações de direitos humanos no período de repressão militar.
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Na relação com Lula, os militares ficaram particularmente incomodados com uma declaração do petista em abril deste ano, quando ele disse que se fosse eleito demitiria 8 mil militares.
Os petistas calculam que esse pode se tornar um foco de atrito na relação das forças com Lula.
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“Nós vamos ter que começar o governo sabendo que vamos ter que tirar quase 8 mil militares que estão em cargos de pessoas que não prestaram concurso. Vamos ter que tirar. Isso não pode ser motivo de bravata, tem que ser motivo de construção. Porque se a gente fizer bravata pode não fazer”, disse Lula, em um encontro com a direção da CUT.
Um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que a quantidade de militares da ativa e da reserva que ocupam cargos civis no governo federal mais do que dobrou nos primeiros anos da gestão de Jair Bolsonaro.
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Já é dado certo que Lula vai trocar militares por petistas nesses postos, o que pode ser interpretado como uma retaliação à caserna – quando se trata também da troca do aparelhamento militar no governo Bolsonaro pelo aparelhamento do PT.
Outro foco de atrito são os futuros cortes orçamentários na Defesa, em um momento em que será preciso reequilibrar as contas públicas. A esmagadora maioria do orçamento militar é para pagar a folha de pessoal, sobrando 10%-15% de verba para investimentos, que geralmente são sacrificados em tempos de ajuste fiscal.
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Enquanto PT e militares traçam cenários para uma futura relação no governo Lula 3.0, o mesmo general resignado ouvido pela coluna faz o seguinte diagnóstico: "Se o país escolher Lula, não será por falta de informação. Em 2018, Bolsonaro foi eleito por reação da população ao desencanto com a classe política. Agora, a volta do Lula é uma reação à postura estúpida e ditatorial do presidente."