Por Johanns Eller

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Emendas do antigo orçamento secreto estão na origem da crise entre governo Lula e Câmara

Lira e o Centrão querem controlar destinação de R$ 9,8 bilhões que hoje estão sob o comando dos ministérios

Por Johanns Eller


Arthur Lira e Lula Cristiano Mariz/Agência O Globo

Depois da aprovação da medida provisória que reconfigurou a Esplanada dos Ministérios, na semana passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi direto: "É importante que se diga e deixe claro que o governo, daqui para frente, vai ter que andar com as suas pernas. Não haverá mais nenhum tipo de sacrifício”.

A declaração encerrava um dia de crise, quando o Lula quase ficou sem os atuais ministérios por não ter votos suficientes para aprovar a MP na Câmara.

Nesta segunda-feira, o presidente da República se reuniu com Lira para discutir o que é preciso fazer para o governo "andar com as próprias pernas". E ouviu muitas vezes a sigla que explica o alerta: RP2.

Esse é o nome pelo qual o Congresso conhece as chamadas emendas de bancada ou emendas dos ministérios – mais precisamente R$ 9,8 bilhões que faziam parte do orçamento secreto (emendas RP9) e que, até o final do ano passado, era gasta sem critérios. Bastava o parlamentar indicar para onde queria que o dinheiro fosse enviado, desde que fosse gasto de acordo com a atribuição referente à pasta.

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Mas isso deixou de ser possível no momento em que este montante foi transformado nas chamadas emendas RP2 e repassado para os ministérios de Lula na PEC da Transição, aprovada em dezembro. Nessa configuração, caberia a cada pasta a definição de como o dinheiro deveria ser aplicado.

Lira e os líderes de bancada querem voltar a controlar a distribuição dessa verba da mesma forma que antes, quando faziam parte do orçamento secreto.

E a revolta que desaguou na crise da última quarta-feira começou a partir de uma portaria editada pela ministra da Saúde, Nísia Trindade.

O ato definiu critérios técnicos para a destinação de pouco mais de R$ 3 bilhões em emendas discricionárias repassadas para a pasta pela PEC da Transição, para "assegurar que a verba do SUS seja aplicada de forma transparente e sistematizada”.

A verba já estava carimbada para a área da saúde, mas para liberá-la é preciso que estados, municípios e autoridades do DF elaborem propostas.

O texto prevê que o dinheiro seja aplicado prioritariamente na atenção primária, na especializada e em situações de emergência – como, por exemplo, renovação da frota do Samu, construção ou reparo de unidades básicas de saúde, equipamentos médicos e odontológicos e entre outros – mediadas pela pasta e com a devida publicidade, o oposto do que ocorria com o orçamento secreto.

Na ocasião, Lira estava em Nova York, nos Estados Unidos, para uma conferência do grupo empresarial Lide junto de uma comitiva formada por parlamentares do Centrão – incluindo o relator da MP, Isnaldo Bulhões (MDB-AL).

Segundo alguns destes deputados relataram à equipe da coluna, o presidente da Casa se disse surpreendido pela decisão da pasta, cobiçada pelo Centrão.

A portaria impactou diretamente as emendas esperadas por parlamentares às vésperas da votação de projetos importantes para o Palácio do Planalto, como o arcabouço fiscal e a própria MP dos ministérios, o que irritou Lira.

Quem distribuía a maior parte do orçamento secreto, que até o final do ano passado tinha previsão de aplicar R$ 19,4 bilhões, era a presidência da Câmara. Outra parcela cabia ao Senado. Mas depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que essas emendas eram inconstitucionais, um acordo entre governo e Congresso dividiu essa dotação em duas partes.

A primeira metade, ou R$ 9,7 bilhões, foi transformada em emendas impositivas – que o deputado escolhe para onde vai sem ter que pedir autorização a ninguém. A outra metade virou RP2, que depende de autorização dos ministérios de Lula e, pelas queixas dos deputados, não está sendo liberada.

Na Câmara, o que se ouve é que os ministros de Lula – especialmente Rui Costa, da Casa Civil – fazem de tudo para dificultar a liberação do dinheiro.

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Boa parte das brigas entre Lira e o Planalto nos últimos meses teve como pano de fundo a reivindicação do presidente da Câmara e seu grupo de voltar a controlar também essa parte da verba, ainda que informalmente.

Foi o que aconteceu no início de maio, quando Lira e os líderes de bancada souberam que a portaria de Nísia Trindade tinha sido publicada.

De acordo com uma fonte ouvida pela equipe do blog, Lira e alguns deputados da comitiva aproveitaram a presença do relator da MP dos Ministérios e discutiram ainda em Nova York a estratégia de retaliar o governo a partir da medida provisória.

Bulhões só apresentou seu relatório no dia 23, às vésperas do fim do prazo da validade da MP, abrindo caminho para que o Centrão articulasse a desidratação da Esplanada dos Ministérios sem deixar tempo para o governo reagir no Senado.

A ideia, inicialmente, ficou restrita aos bastidores de Brasília. Mas o caldo entornou definitivamente depois da fala de Lula sobre a “narrativa” criada sobre o autoritarismo na Venezuela durante a recepção pirotécnica de Nicolás Maduro na capital federal.

O episódio irritou os deputados de orientação ideológica mais conservadora, que encaram como um "sacrifício" votar a favor das pautas do governo sem nenhuma contrapartida.

Por isso, os deputados que defendiam a caducidade da MP se sentiram autorizados a articular a derrubada das MPs à luz do dia. O União Brasil, que ocupa três ministérios, inicialmente fechou questão contra o texto. Votos de deputados menos suscetíveis à influência de Lira também passaram a ficar ameaçados diante do desgaste dos elogios de Lula ao regime venezuelano.

A medida provisória, como se sabe, acabou aprovada com larga vantagem. Conforme publicamos na última quinta-feira, a crise da MP precipitou uma nova fase do governo Lula. Pressionado, o presidente agora vai precisar acolher Arthur Lira como sócio do governo.

Além do controle das RP2, principal reivindicação da Câmara, há uma discussão sobre a troca dos ministros do União Brasil e especula-se que até mesmo uma vontade de voltar a influir no Ministério da Saúde, pivô das mudanças que provocaram a ofensiva. O problema para o petista é que o apetite do Centrão pode não parar por aí.

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