No relatório final sobre a CPI do 8 de janeiro, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) propôs o indiciamento de oito generais e dois ex-comandantes das Forças Armadas, mas deixou de fora um personagem que ela mesmo afirmou que cometeu "ilegalidades": o general Gonçalves Dias, que era o ministro-chefe do GSI do dia dos atos golpistas.
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Gê Dias, como é conhecido, foi o único ex-ministro do governo Lula a depor na comissão, onde teve que dar explicações sobre a falta de reação aos invasores que tomaram o Palácio do Planalto e sobre a ordem que deu para adulterar um relatório que mostrava que ele havia recebido alertas de inteligência sobre o risco de violência e depredação de prédios públicos no 8 de janeiro.
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Imagens gravadas pelas câmeras do interior do Palácio do Planalto no momento da invasão mostram Gê Dias perambulando pelo Palácio sem tomar nenhuma atitude, enquanto alguns funcionários indicam a saída aos golpistas. O próprio ministro chegou a colocar as imagens sob sigilo, mas pediu demissão depois que elas foram reveladas pela CNN.
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Além disso, nos depoimentos à CPI, tanto Gê Dias como o ex-diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Saulo Moura da Cunha confirmaram ter retirado do primeiro documento da Abin enviado ao Congresso a informação de que o chefe do GSI havia recebido, em seu celular pessoal, mensagens com alertas de inteligência que chamavam atenção para o risco de invasão.
O primeiro relatório sobre os alertas da Abin enviado à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso, em 20 de janeiro, não trazia os registros das onze mensagens que o ministro recebeu no próprio telefone celular sobre a movimentação dos golpistas.
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Na segunda vez que o Congresso pediu o mesmo documento à Abin, em 8 de maio, o chefe do GSI já era outro general, Marco Antonio Amaro dos Santos. Nessa segunda versão, os registros de alertas aparecem todos, na íntegra – incluindo os recebidos por Gê Dias.
A adulteração foi revelada pelo blog no final de maio e confirmada por Moura da Cunha em um depoimento tenso, durante o qual Eliziane Gama o acusou diretamente de ter cometido uma 'ilegalidade" compartilhada com Gê Dias.
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No interrogatório, Moura da Cunha procurou justificar a retirada dos registros. "Eu entreguei essa planilha ao ministro e o ministro determinou que fosse retirado o nome dele dali porque ele não era o destinatário oficial daquelas mensagens, que ali fossem mantidas apenas as mensagens encaminhadas para os grupos de WhatsApp. Ele determinou que fosse feito, eu obedeci a ordem."
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Eliziane demonstrou então que não havia se convencido. "O senhor está dizendo que adulterou a pedido de Gê Dias. Atendeu a uma ordem absurda dele, atendeu ao pedido de uma ilegalidade. Retirou um dado e não apresentou no relatório apresentado à CCAI. Há uma responsabilidade compartilhada por ter atendido a uma ordem absurda. Que fique isso claro".
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Depois dessa sessão, membros da CPI ouvidos pela equipe do blog, incluindo governistas, disseram considerar que o indiciamento de Gê Dias havia se tornado "inevitável". Na leitura dos parlamentares, na época, o governo Lula havia jogado seu ex-ministro "às feras" e não faria nenhum esforço para salvá-lo.
Nesta terça-feira, porém, a projeção se revelou equivocada. Eliziane não só não propôs o indiciamento de Gê Dias entre os militares que considerou direta ou indiretamente responsáveis pelo que ocorreu no dia 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes, como afirmou não ter visto dolo na ação do ex-ministro do GSI de Lula.
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"Nas investigações não se vislumbrou dolo na conduta do Gê Dias no 8 de janeiro, e nesse sentido não há como sugerir seu indiciamento. Ele, segundo as apurações, teria confiado nos subordinados", afirmou a assessoria da senadora.
A equipe do blog então perguntou se a confissão do ex-Abin e os próprios documentos entregues ao Congresso não indicavam dolo, e a assessoria respondeu que "a relatoria não conseguiu comprovar que houve adulteração do documento por parte dele".
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Questionamos então se a senadora havia mudado de opinião em relação ao que havia dito na CPI. A assessoria se limitou a repetir quatro vezes a mesma frase – "a relatoria não conseguiu comprovar que houve adulteração do documento por parte dele". E não explicou mais nada.