Um estudo da FGV Comunicação Rio sobre o debate virtual logo após a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul mostra que o embate entre o povo, representado pelas vítimas e pelo voluntariado, e o governo dominou as redes sociais e superou até mesmo a disputa ideológica entre esquerda e direita.
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De acordo com o levantamento fornecido com exclusividade pela FGV à equipe do blog, a tônica das discussões nas redes após a tragédia foi o sentimento anti-Estado propagado por influenciadores digitais e perfis privados, que monopolizaram a atenção em detrimento de políticos e instituições públicas.
O levantamento foi feito entre os dias 1º e 15 de maio, período que concentrou o pico de engajamento nas redes em torno da tragédia gaúcha e também o ápice dos efeitos das chuvas e dos desastres naturais decorrentes dos temporais. O trabalho se baseou em publicações nas redes X (ex-Twitter), Facebook e Instagram.
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Para os autores do estudo, diferentemente do que costuma ocorrer nos debates virtuais em situações de crise ou polarização, desta vez a oposição “muito mais forte” se deu entre o “povo” e o “governo” do que entre a esquerda e a direita. Ainda assim, o levantamento indica que também ocorreu uma forte politização da crise no RS, agravada pela desinformação e disseminação de informações falsas.
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No caso do X, onde foram avaliados 11,2 milhões de tweets, a própria discussão sobre fake news fez com que a expressão aparecesse 30% mais do que o nome da capital do estado, Porto Alegre, uma das cidades mais afetadas pela chuva e pela cheia do Lago Guaíba. Como publicamos no mês passado, a disputa de narrativas em torno da desinformação também superou a discussão sobre os impactos da tragédia nos primeiros dez dias de maio.
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Em uma avaliação mais aprofundada, a FGV constatou que, nessa disputa de narrativas, a “intensa disputa” foi sobre quem de fato teria protagonizado o socorro às vítimas das chuvas e quem teria se omitido.
Os pesquisadores detectaram na plataforma o predomínio de versões sobre um suposto abandono da população pelas autoridades locais e federais. O trabalho avalia que essa dinâmica reflete “recorrentes questionamentos sobre a legitimidade das instituições políticas”.
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O processo foi impulsionado por influenciadores, que registraram um engajamento muito superior ao de figuras públicas.
Na bolha da direita analisada no estudo a partir do ex-Twitter, prevaleceu o discurso de que o Estado é inapto para resolver crises como a do Rio Grande do Sul – incluindo influenciadores que estiveram no estado e ganharam engajamento pelo envio de doações e ajuda no resgate a vítimas.
São citados como exemplos os humoristas Whindersson Nunes, que chegou a trocar farpas com a primeira-dama, Janja da Silva, pela suposta inércia do governo. O influenciador Nego Di também xingou Janja publicamente com uma palavra de baixo calão e acusou, sem provas, o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) de impedir o resgate de vítimas com jet-skis.
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Já no campo da esquerda quem se destacou foi o youtuber Felipe Neto, que no levantamento da FGV aparece como um dos “clusters” – ou seja, um ator digital com centralidade no debate público das redes. Neto e a bolha da esquerda, por sua vez, se empenharam em cobrar de políticos e eleitores bolsonaristas empenho na rede solidária do RS.
‘Perspectiva geracional’
Para o sociólogo Marco Aurelio Ruediger, que coordenou o trabalho, a análise das redes no auge da crise sugere que as narrativas que opuseram o Estado e a mobilização da sociedade terão implicações de longo prazo.
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“O caso do Rio Grande do Sul tem um impacto na cultura política muito maior e mais denso do que se imagina. Estão em jogo visões de mundo sobre a capacidade do Estado e mesmo a possibilidade das instituições de atender as pessoas em um cenário de crise de forma eficaz”, alerta o sociólogo.
“Está se constituindo uma perspectiva geracional. Os eventos no Sul terão muito eco no futuro e definirão a cabeça do brasileiro nos próximos 10 anos. Há um impacto direto na geração Z [pessoas nascidas no século XXI] sobre a visão do Estado”.
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Ruediger reforça, ainda, que essa eventual percepção atravessa os governos de plantão, seja na instância federal, estadual ou municipal.
“Nessas mensagens há uma crítica ao próprio Estado, que seria opressor e ineficaz na proteção da população e que vai além dos gaúchos. No limite, isso é altamente corrosivo para a própria democracia porque significaria que as instituições não funcionam e a saída é pelo voluntarismo”.
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No caso do Facebook e do Instagram, o estudo observa que a dinâmica se deu de forma quase análoga ao X – com a diferença de que os atores públicos tiveram menos alcance ainda do que os influencers nessas plataformas.
A FGV constatou, por exemplo, que as ex-BBBs Telma Assis, Marcela McGowan e Amanda Meirelles, todas médicas, tiveram muito mais audiência e interações do que o Ministério da Saúde.
“No Instagram, o foco nas ações de influenciadores foi notadamente mais marcado, enquanto no Facebook ele coexistiu de maneira mais equilibrada com notícias de ordem prática, como atualizações sobre os riscos das chuvas e as situações das cidades, além da divulgação de canais de ajuda”, diz trecho do estudo.