As escolas de samba são mestres em contar e resgatar a História do Brasil. Este ano, no entanto, os desfiles de Rio e São Paulo tiveram uma novidades em comum um clara inspiração literária em seus enredos, o que deu o maior samba. A Mocidade Alegre venceu o carnaval paulista contando as viagens pelo país do escritor modernista Mário de Andrade em busca da brasilidade. A Portela levou ao Sambódromo "Um defeito de cor", inspirado no livro de Ana Maria Gonçalves, e venceu o Estandarte de Ouro de melhor escola e enredo, e é uma das favoritas ao título no Rio.
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Após o desfile, aliás, o livro "Um defeito de cor" , obra fundamental para entender o país, foi alçado o topo da lista dos mais vendidos pela Amazon, em mais uma prova de que literatura e carnaval realmente têm tudo a ver e a Record está fazendo uma nova reimpressão, será a 38ª. Entrevistei a Ana Maria Gonçalves, nesta terça-feira, em pleno carnaval, e a nossa conversa vai ao ar hoje às 23h30m, na GloboNews. Não perca, está ótima.
O livro é de ficção, mas baseado em um personagem real e uma história que de fato aconteceu. A africana escravizada Luísa Mahin, mãe de Luiz Gama. Luísa, que a escritora chama pelo nome africano, Kehinde, virou líder pela libertação dos escravizados, mas seu próprio filho, Luiz Gama, foi vendido pelo pai português para ser escravo aos dez anos. Mesmo assim ele se libertou e se transformou em um poderoso advogado, abolicionista.
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A Portela foi muito fiel ao livro que é uma longa carta de Kehinde ao seu filho Omoduntê ( Luiz Gama). O belo samba da Portela faz uma espécie de resposta a essa carta. Um diálogo entre mãe e filho, que não foi possível na vida real.
Outro lindíssimo desfile foi do Salgueiro, que veio com o enrede "Hutukara", baseado no livro "A queda do céu", de Davi Kopenawa e Bruce Albert, contou o carnavalesco da escola Igor Ricardo. Esse livro é uma monumental obra da literatura e da antropologia brasileira. Quando Igor Ricardo procurou o xamã Yanomami, Davi Kopenawa, para contar que iriam fazer um desfile sobre a luta do povo, o xamã concordou, mas ponderou que sempre se falam das tragédias, mas essa são impostas pelos napês, os invasores, pediu então que se falasse da cultura, da beleza, da vida dos Yanomamis. O Salgueiro fez isso lindamente e contou a história desse povo que enfrenta uma luta pela sobrevivência.
O enredo da Grande Rio também foi baseado integralmente em um livro, a obra de Alberto Mussa, "Meu destino é ser onça", conta um mito do povo Tupinambá, que habitava que a área no entorno da Baía de Guanabara. Na cosmogonia deles, o mundo já foi destruído duas vezes, uma vez por um dilúvio. E agora estamos na “terceira humanidade”, revela o livro que foi buscar em textos originais, inclusive tupi, que o autor domina, o relato dessa história da criação tupinambá.
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Era um povo muito poderoso, habitante da Baia de Guanabara, e que para combater os portugueses, se aliou aos franceses. Foi exterminado, mas segundo o autor vive em nós pela miscigenação e por sua cultura.
Outro destaque desse carnaval foi Conceição Evaristo, autora do romance "Ponciá Vicêncio", um livro pequenininho, de apenas 120 páginas, mas fundamental. Conceição Evaristo foi homenageada pela Banda de Ipanema, que completou 60 anos, e também estava em destaque num carro da Portela.
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Não podia deixar de falar da minha Mangueira, que estava linda homenageando Alcione, e tinha um refrão bem feminista: "Arreda homem que aí vem mulher".