Foram apenas 15 perguntas respondidas pelo miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando da Curicica, em outubro de 2018, a pedido de O GLOBO, mas o bastante para ele revelar, com exclusividade, a participação do delegado Rivaldo Barbosa no esquema de propinas nas investigações dos homicídios. Na época, Curicica era apontado como o executor da vereadora Marielle Franco (PSOL), mesmo estando preso naquele ano, num presídio em Bangu. O miliciano revelou na carta:
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"O que tenho a dizer, ninguém gostaria de ouvir: existe no Rio hoje um batalhão de assassinos agindo por dinheiro, a maioria oriunda da contravenção. A DH (Delegacia de Homicídios) e o chefe de Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, sabem quem são, mas recebem dinheiro de contraventores para não tocar ou direcionar as investigações, criando assim uma rede de proteção para que a contravenção mate quem quiser. Diga, nos últimos anos, qual caso de homicídio teve como alvo de investigação algum contraventor?", escreveu Curicica, em reportagem publicada em 01 de novembro de 2018, no GLOBO.
Rivaldo foi preso na manhã deste domingo e é apontado, de acordo com as investigações da Polícia Federal e do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco)do Ministério Público do Rio (MPRJ), como o delegado que garantiu que o crime não fosse elucidado, inclusive recebendo pelo "serviço". Ele e os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão também foram presos como mandantes. Todos estão sendo levados para o presídio federal de segurança máxima em Brasília.
Logo que a falsa testemunha, o então policial militar Rodrigo Ferreira, o Ferreirinha, foi apresentada por Rivaldo para o delegado Giniton Lages, responsável pelo inquérito, em maio de 2018, a farsa já estava sendo direcionada para acusar Curicica. Enquanto ele o apontava como executor, o delator farsante indicava o então vereador Marcello Siciliano como mandante. Após o depoimento, Giniton foi ao presídio onde Curicica se encontrava preso e propôs que ele assumisse o crime, o que o miliciano disse ter recusado veementemente.
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As declarações do miliciano, à época, já colocavam em xeque toda a investigação da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). Segundo ainda Curicica, a especializada na elucidação de assassinatos no Rio, era formada por uma rede de proteção aos “capos” da contravenção envolvidos em execuções de repercussão. A mesma denúncia consta no depoimento de Curicica à Procuradoria-geral da República (PGR), que já avaliava a possibilidade de federalizar a investigação naquela época, por conta da influência de policiais civis da suposta organização criminosa de Rivaldo.
Inicialmente, O GLOBO tentou entrevistar Curicica pessoalmente, quando estava na Penitenciária Federal de Mossoró (RN), mas o juiz-corregedor federal, Walter Nunes, autorizou que enviasse uma carta com as perguntas. Curicica, com uma letra sofrível, respondeu que não tinha ligação com a morte da parlamentar, além do esquema de pagamentos para a DHC.
As promotoras do Gaeco, à frente do caso, revelou algo que já havia informado ao Globo, por meio de um informante: a existência do grupo de assassinos de aluguel Escritório do Crime. Seis anos após o assassinato de Marielle e Anderson, o miliciano continua preso em presídio de segurança máxima por outros homicídios e por crime de milícia. O relatório da Polícia Federal, cujo sigilo foi retirado neste domingo pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, trouxe uma questão que ficou clara: Curicica dizia a verdade em 2018.