O que fazer em Arroios, o caldeirão multicultural de Lisboa que ainda não foi descoberto pelos turistas

Vizinha a alguns dos bairros mais famosos da cidade, região marcada por colônias de imigrantes vive momento de renascimento

Por Eduardo Maia — Lisboa


Azulejo na fachada da antiga fábrica de cerâmica Viúva Lamego, que hoje abriga a loja A Vida Portuguesa, no Largo do Intendente Pina Manique, em Lisboa Eduardo Maia

Caminhando pela Avenida Almirante Reis, é possível encontrar um restaurante de comida bengali ao lado de uma loja de roupas africanas, ou um salão com barbeiros indianos vizinho a uma confeitaria repleta de pastéis de nata. Camisas do Marrocos e “camisolas” do time de Cristiano Ronaldo dividem espaço nos varais, e bandeiras do Nepal se destacam na fachada de um prédio coberto por azulejos tipicamente portugueses. Fora do roteiro turístico tradicional de Lisboa, a freguesia de Arroios abriga em seus limites o mundo inteiro.

A região, por décadas estigmatizada por problemas sociais, entre eles prostituição e tráfico de drogas, tem dado a volta por cima nos últimos anos. O cenário multicultural — são mais de 90 nacionalidades representadas entre seus 40 mil habitantes —, aliado a algumas ações do governo local e ao surgimento de bares, restaurantes, centros culturais e hotéis estilosos, tem colocado a região no mapa, a ponto de a revista “Time Out” ter eleito Arroios como o “bairro mais legal do mundo” em 2019.

A bordo do 28

Bonde da linha 28 passa pela Avenida Almirante Reis, em frente o Hotel 1908, no Largo do Intendente Pina Manique, em Lisboa — Foto: Eduardo Maia

Estar fora do roteiro turístico não significa, necessariamente, estar distante. No caso de Arroios, uma região central e colada aos bairros mais frequentados por visitantes, é o contrário. A freguesia está aos pés das ladeiras da Mouraria e da Graça. E seu início é logo depois da Praça Martim Moniz, que costuma ser conhecida como o ponto final (ou inicial) do “eléctrico” 28, o meio de transporte mais popular entre os turistas na cidade.

O bonde, aliás, passa por um considerável trecho da Avenida Almirante Reis, uma das mais longas de Lisboa, e que é a principal via de Arroios. É nela que está também a estação de metrô Intendente, outro importante (e rápido) meio de acesso à região.

Na Almirante Reis também não se passa fome. Ao longo da via há diversas opções, desde redes de fast food a restaurantes que servem comidas de países como China, Índia, Paquistão, Bangladesh e Nepal. Mas há também clássicos da gastronomia portuguesa, como a Cervejaria Ramiro, apontada como uma das melhores marisqueiras de Lisboa. Em seu cardápio, brilham peixes, mariscos, moluscos e crustáceos, preparados seguindo as receitas tradicionais portuguesas.

Vida nova no largo

O Largo do Intendente Pina Manique, símbolo da transformação pela qual a freguesia de Arroios, em Lisboa, tem passado — Foto: Eduardo Maia

Inspirada no projeto urbanístico da Paris do começo do século XIX, a avenida é ladeada por imponentes casarões, que lembram os tempos mais abastados daquela região. Muitos ainda carecem de cuidados, mas outros acompanharam o bonde da renovação. Alguns deles foram convertidos em hotéis, como o 1908, na esquina com o Largo do Intendente Pina Manique.

O nome do hotel faz referência ao ano de construção do prédio, um dos mais famosos da região, e cujo projeto arquitetônico chegou a ser premiado à época. Depois de alguns anos como condomínio de alto nível, o edifício entrou em decadência, assim como a região.

Em 2016, após ser restaurado pelo grupo hoteleiro Amazing Evolution, reabriu as portas como hotel, com 36 quartos cheios de estilo e bom humor. A proposta moderninha se estende ao Infame, bar e restaurante que se destaca pela criatividade tanto de sua carta de rinques quanto de seu menu.

Interior do bar e restaurante Infame, do Hotel 1908, no Largo do Intendente, em Lisboa — Foto: Eduardo Maia / O Globo

O surgimento do hotel é apenas um dos exemplos da renovação que se deu na região a partir do Largo do Intendente. O local, uma praça triangular espremida entre a avenida e as ruazinhas no sopé da colina da Mouraria, sofria com o abandono até 2011, quando a Junta da Freguesia, o órgão de administração regional, se mudou para lá.

Na sequência, vieram obras de urbanização e projetos de ocupação do largo, que permitiram o surgimento de diversos empreendimentos de sucesso até hoje, como o café O das Joanas (com o brunch mais concorrido da região), o bistrô Josephine e a Casa Independente, que abriga de oficinas de artes a apresentações teatrais.

Interior da loja A Vida Portuguesa do Largo do Intendente, em Lisboa, que funciona numa antiga fábrica de cerâmica do século XIX — Foto: Eduardo Maia / O Globo

Outra marca importante de Lisboa a se mudar para o Largo do Intendente neste período foi A Vida Portuguesa, loja de produtos lusitanos tradicionais, surgida no Chiado. Sua filial em Arroios fica na antiga fábrica de cerâmicas Viúva Lamego. O prédio, construído entre 1849 e 1865, tem suas fachadas cobertas por azulejos riquíssimos e vale a visita, nem que seja para comprar uma andorinha da Bordallo Pinheiro ou uma sardinha em conserva Minerva.

Para quem ainda tem fome de sabores asiáticos, uma boa opção de almoço é a Rua do Benformoso, onde restaurantes bengalis, nepaleses e indianos se sucedem pelas calçadas estreitas. Ali funciona o Café Klandestino, bar moderninho frequentado por um público alternativo e com ares de tesouro ainda à espera de ser descoberto.

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