Bolsonaro propôs derrubar demarcação da Terra Yanomami questionando se indígenas eram venezuelanos

PL, proposto em 1992, foi arquivado. Então deputado afirmava no texto que posse do território feria, sob sua interpretação, a defesa nacional. Povos hoje vivem crise humanitária

Por Arthur Leal — Rio de Janeiro


Bolsonaro durante visita a ianomâmis, durante seu governo como presidente Marcos Correa / Handout via Reuters

Há 30 anos, o então deputado federal, hoje ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), à época filiado ao extinto Partido Democrata Cristão, propôs um Projeto de Decreto Legislativo na Câmara Federal que tinha como objetivo derrubar a portaria nº 580, publicada um ano antes, em 1991, que determina até os dias de hoje a demarcação do Território Indígena Yanomami em Roraima. A crise humanitária vivida pelos ianomâmis, com morte de crianças e adultos por desnutrição e doenças como malária e verminoses, além da violência fruto da exploração de garimpeiros ilegais, têm chamado atenção, não só no Brasil, como no mundo inteiro nos últimos dias. Na semana passada, o presidente Luiz Inácio do Lula da Silva (PT) e demais membros do governo visitaram o local e falaram em descaso e responsabilizaram a gestão anterior por um "genocídio", o que foi endossado pelo Ministério Público Federal (MPF).

No texto, definitivamente arquivado em 1995, Bolsonaro justificava-se dizendo que a autorização para posse permanente do território aos indígenas feria a defesa do território nacional, prevista na Constituição. O parlamentar afirmava ainda que sequer era possível saber se os povos "encontrados" — entre aspas no texto — pela Funai eram brasileiros ou venezuelanos, discurso que ele e seus seguidores continuam defendendo até hoje.

"(...) o índio, melhor do que ninguém é o mais autêntico dos brasileiros, e assim questionamos se o total de indígenas "encontrado" pela Funai é realmente de brasileiros ou venezuelanos? Afinal, a área demarcada é fronteira e o Índio tem atividade nômade. Por não serem perfeitamente claras as partes componentes da Portaria 580, por conflitar a mesma com a Constituição e por tramitar aqui na Casa, legislação que entendemos ser a real fonte disciplinadora da matéria relacionada aos Índios brasileiros, oferecemos a apreciação dos doutos pares desta Câmara Legislativa e presente moção em forma de Decreto Legislativo", diz o texto de Bolsonaro, assinado em 8 de março de 1992.

Quando cita a questão constitucional envolvendo a fronteira do Brasil com a Venezuela, o ex-presidente e então parlamentar se referia ao 2º item do artigo 20 da Constituição, que prevê:

"A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional". No entanto, a norma prevê também que: "sua ocupação e utilização (destes territórios) serão reguladas em lei".

No fim de semana, Bolsonaro publicou em um grupo de Telegram, onde mantém contato com seus seguidores, um texto onde se defende das acusações de descaso em relação aos ianomâmis e afirma que o panorama de crise humanitária exposto e criticado pelo atual governo trata-se de uma "farsa da esquerda".

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