Um terço de todas as mortes violentas intencionais no Brasil está ligada a drogas ilícitas, calcula Ipea

Segundo estudo, a guerra às drogas diminui em 4,2 meses a expectativa de vida dos brasileiros e gera um prejuízo de R$50 bilhões anuais

Por Lucas Altino, O Globo — Rio de Janeiro


Vida perdida: velório e enterro de Ester de Assis Oliveira, de 9 anos, morta no Morro do Cajueiro, em Madureira, em abril Domingos Peixoto

A guerra às drogas tira 4,2 meses da expectativa média de vida dos brasileiros e gera um prejuízo de R$50 bilhões anuais, ou 0,77% do PIB, por causa das milhares de mortes no país, segundo novo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Pesquisas anteriores já mensuraram os investimentos de recursos públicos na repressão ao tráfico e o alto número de homicídios decorrentes dessa política de segurança e dos conflitos armados. Mas qual o prejuízo para a economia brasileira e para a expectativa de vida da sociedade? Essas perguntas foram o mote do “Custo de bem-estar social dos homicídios relacionados ao proibicionismo das drogas no Brasil”, divulgado nesta quinta (22).

— O que fizemos foi calcular algo que não tinha sido feito, o custo de bem estar. O prejuízo para a qualidade de vida da sociedade em virtude dessa guerra. Muitos dos argumentos favoráveis à proibição são de que a legalização aumentaria o consumo e mataria muita gente. Mas mostramos que morre muito mais gente em virtude da proibição do que morreriam se as substâncias fossem lícitas — explica Alexandre Cunha, pesquisador do Ipea.

O estudo se baseou no número de homicídios relacionados ao tráfico de drogas no Brasil, seja por conflitos entre facções criminosas, usuários ou por repressão da polícia. Como o índice de elucidação de homicídios no país é baixo - menor que 8% na maioria das polícias estaduais - o Ipea utilizou dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e outros estudos científicos que analisaram inquéritos policiais para estabelecer as motivações das mortes violentas intencionais (MVI) em 2017, quando 65 mil pessoas foram assassinadas .

Com esse cálculo, os pesquisadores chegaram a uma média nacional, estimada: 34,3% de todas as Mortes Violentas Intencionais (MVI) no Brasil são atribuídas a questões envolvendo drogas ilícitas.

— Sabemos o quanto essas mortes impactam na expectativa de vida geral da população brasileira. Quantos anos de vida perdidos e, a partir do cálculo de produtividade média por pessoa, sabemos o quanto deixaram de produzir, o que chega ao número de R$50 bilhões — resume Cunha, que explica não ser possível isolar as mortes relacionadas à maconha, cuja descriminalização para uso pessoal está em pauta no STF. — O máximo que se pode afirmar é que a legalização teria impacto muito grande sobre a quantidade de prisões. Teria um impacto marginal no total, mas não posso dizer, hoje, o quanto seria significativo.

Além das mortes e, consequentemente, do prejuízo à produtividade para o país, o estudo considerou como o risco de morte prematura altera a decisão de consumo dos indivíduos, o que gera uma perda de bem-estar. A alteração se refere ao valor que as pessoas pagam para evitar o risco da morte prematura, aumentando o prejuízo social.

Perda da expectativa média de vida

E com tantas mortes registradas, os pesquisadores calcularam o prejuízo para a expectativa média de vida do brasileiro. No Brasil, apenas em 2017, um milhão cento e quarenta e oito mil anos potenciais de vida foram perdidos.

Por causa da guerra às drogas, cada pessoa vive em média 7,4 meses (ou 0,62 ano) a menos no Rio. Para o Brasil, a perda de expectativa de vida ao nascer é de 4,2 meses (ou 0,35 ano).

Por fim, o Ipea conclui que "o proibicionismo e, em particular, a guerra às drogas é a forma mais eficiente de desperdiçar recursos públicos e sociais. De fato, a estratégia de reprimir a oferta de drogas pelo caminho da repressão já nasce fadada ao fracasso".

— Os crimes que cometem em função desse proibicionismo deixariam de cometer, mas o problema da criminalidade como um todo não se resolveria só com a legalização. À medida que parariam se parar de matar por causa de drogas ilícitas, continuariam se matando por outros negócios? Provavelmente sim, mas seria mais? Não sabemos, porque seria um outro contexto. Existem países com tráfico de drogas onde a taxa de homicídios é baixa, mas aqui as características tornam o negócio mais violento — afirmou Cunha.

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