OSGEMEOS preparam instalação imersiva com 'área infinita' para o Rock in Rio

Grafiteiros que criam trabalhos também de escultura e animação estão às voltas com mostras em Nova York e Málaga; ao GLOBO, os irmãos Otávio e Gustavo contam como a cultura hip-hop ajudou a moldar seus caminhos na arte

Por Ruan de Sousa Gabriel — São Paulo


Os irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo, conhecidos como OSGEMEOS: eles já dançaram break e fizeram rap; hoje, grafitam e discotecam Divulgação

Embora sejam “viciados em música”, os grafiteiros paulistanos Otávio e Gustavo Pandolfo, conhecidos como OSGEMEOS, nunca foram ao Rock in Rio. A apertada agenda internacional da dupla não permitiu. Mas deste ano não passa. Em setembro, eles estreiam na Cidade do Rock com uma instalação imersiva inédita. A obra vai ocupar um espaço de 100m² no Parque Olímpico, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Os dois irmãos, no entanto, afirmam que a obra ocupará uma área “infinita”.

— Você vai ver quando entrar lá — promete Otávio, em entrevista ao GLOBO por vídeo, do ateliê da dupla, no Cambuci, em São Paulo.

Os gêmeos de 48 anos fazem algum mistério quanto à obra e nem revelam qualquer croqui do projeto. Preferem manter surpresa. Mas dão algumas pistas. A instalação que, antes mesmo do convite da Porto Saúde, responsável por serviços médicos de emergência no festival, eles já esboçavam em cadernos, será interativa e vai misturar grafite, música, arte digital e o improviso, que é uma das características do processo criativo da dupla. Eles descrevem a obra como a tentativa de “abrir uma janela dentro do universo da música”, capaz de permitir que o público se esqueça por alguns instantes da agitação da Cidade do Rock e explore “outras dimensões”.

— No meio daquela bagunça incrível, queremos oferecer um momento de reflexão, de meditação, mas que não vai te desconectar totalmente do Rock in Rio. Não sei se deu para entender — diz Otávio, ansioso pela apresentação de Billy Idol no festival carioca, que acontece nos dias 2, 3, 4, 8, 9, 10 e 11 de setembro. — A instalação vai te tirar um pouco dali, daquela atmosfera, daquele clima. Você vai dar uma viajada. Uma viajada mesmo! Vai se conectar com você e com o nosso universo por segundos, mas sem perder o que está acontecendo lá fora.

Os artistas afirmam que o público encontrará traços inconfundíveis do trabalho deles, como o universo Tritrez, habitado pelos homenzinhos amarelos que estampam muros mundo afora. Sami Foguel, CEO da Porto Saúde, destaca a “trajetória empreendedora” dos dois irmãos, que se encantaram pelo grafite graças à cultura hip-hop que despontava em São Paulo no anos 1980 e, todo sábado, atraía uma multidão de jovens ao Largo São Bento, no Centro.

Otávio e Gustavo cresceram rodeados pela música. Um dos avôs, imigrante lituano, gostava de ópera. O outro preferia canções italianas. O irmão e a irmã mais velhos curtiam rock progressivo. Em frente à casa da família, no bairro do Cambuci, na região central de São Paulo, os então adolescentes arriscavam passos de breakdance. E ouviam de tudo: Geraldo Vandré, Pink Floyd, eletropunk, música clássica.

Dois em um

Aos 10, 11 anos de idade, aprenderam a dançar break com os amigos da rua e logo começaram a frequentar os arredores da estação São Bento do metrô, de onde saíram rappers renomados, como Thaíde, DJ Hum e MC Jack. Lá, os gêmeos conheceram os “quatro elementos da cultura hip-hop”: a figura do DJ, o rap, o grafite e o break. Eles, aliás, dançaram por mais de duas décadas. Fizeram rap por uns dois anos e até hoje grafitam e discotecam. No comando da caixa de som, eles tocam música eletrônica: eletropunk, techno e house.

— A São Bento foi uma escola, uma fonte de pesquisa. Todo sábado à tarde, chegava alguém com uma fita cassete nova: “Gravei essa rádio do Rio, essa rádio de BH, esse disco.” Quando os seguranças do metrô cortavam a energia, a gente fazia som na lata de lixo — recorda Otávio. — A música era a base de tudo, da dança e do grafite. Quando a gente entrou nesse universo do hip-hop, entendeu que ali também havia influências do rock, da música clássica, da música experimental alemã, eletrônica. Estava tudo ligado.

Também foi ali que os irmãos compreenderam a importância de ter um estilo que os diferenciasse dos demais. Tudo começou no break. Os dois treinavam para se destacar nas batalhas. O fato de serem gêmeos ajudava a chamar atenção. Eles arriscavam passos complementares. Se um fazia o moinho de vento (apoiar os ombros no chão e girar a cintura com as pernas para cima) e acrescentasse movimentos de cabeça, o outro repetia o passo e adicionava os pulos. Era como se fossem um único dançarino, mas com um vasto repertório

A busca por autenticidade também guiou a trajetória grafiteira de OSGEMEOS.

A instalação “Fermata”, que foi exposta na Pinacoteca: Kombi reformada para abrigar instrumentos — Foto: Divulgação

— Para ganhar uma batalha de break, você tem que ser criativo, original. No grafite, também procuramos ter nossa própria identidade, que as pessoas olhem e digam: “Esses caras são diferentes” — conta Otávio. — Começamos numa época em que não existia rede social. Não adiantava pintar uma parada no quarto e postar foto. Grafitar é pegar sua tinta e ir para a rua, pintar a cidade sem autorização de ninguém.

Os gêmeos também se aventuram por outras formas de arte além do grafite, como a animação, a escultura e, como atestam os planos para o Rock in Rio, as instalações. Algumas estiveram na exposição “OSGEMEOS: Segredos”, que permaneceu em cartaz na Pinacoteca de São Paulo de 15 de outubro de 2020 a 9 de agosto de 2021 e arrastou mais de 237 mil visitantes ao museu.

Certas obras têm relação direta com a música, como a instalação “Fermata”, uma espécie de carro alegórico feito em uma Kombi que guardava também instrumentos musicais e utensílios domésticos que se movem e emitem sons. E há “Piano”, cujo tampo é decorado por um boneco que executa passos de dança.

— Grafite e instalação são bem diferentes. O grafite é um universo único, que a gente vivencia na rua. A instalação acontece dentro da galeria, do museu. É como se a gente recebesse um cubo branco e tivéssemos que deixá-lo mais próximo do nosso universo, do que a gente acredita — explica Gustavo. — A gente transita por várias linguagens, usa os espaços para criar figuras gigantescas, mas não existe uma ponte ligando o que a gente faz em espaços expositivos e o nosso trabalho na rua.

Os gêmeos transitam menos pelas ruas. A pandemia, obviamente, diminuiu o ritmo do grafite. Nos últimos dois anos, eles se dedicaram a projetos sociais (doação de alimentos, roupas e máscaras) e à montagem de exposições: a da Pinacoteca, uma em Hong Kong e outra em Seul. Já preparam outras duas mostras, a estrear em Nova York, nos EUA, e em Málaga, na Espanha. Também trabalham em um projeto japonês. E na instalação do Rock in Rio, é claro.

A cor do som

No ateliê do Cambuci, a dupla abriga uma coleção de discos que vem se expandindo desde os tempos do Largo São Bento. Eles não sabem nem quantos vinis (muitos deles garimpados no Rio) já acumularam. Dizem ser criteriosos nas aquisições.

— Se você vier aqui, tirar um disco da estante e colocar para tocar, vai ver que tem relação com o nosso trabalho — conta Otávio, que, recentemente, redescobriu o compositor nigeriano William Onyeabor (1946-2017), que misturava funk e música eletrônica. — Sabe aquelas coisas que você tem guardadas, já ouviu faz um tempo, aí pega para ouvir de novo e é totalmente diferente? O trabalho desse cara é atemporal. É uma máquina do tempo. Como vai ser a nossa instalação no Rock in Rio.

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