'Tínhamos que vencer tabus', disse passageiro de acidente aéreo nos Andes sobre comer carne humana para sobreviver

Filme 'Sociedade da neve' trouxe novamente à tona tragédia de 1972; sobreviventes vieram ao Brasil em 1993

Por O GLOBO


Destroços do avião que caiu nos Andes em 1972 Agência O GLOBO/ARQUIVO

Indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e forte candidato ao Oscar na mesma categoria, a produção espanhola "Sociedade da neve" trouxe à tona, 51 anos depois, o acidente do voo 571. Saindo de Montevidéu, no Uruguai, com destino a Santiago do Chile, uma aeronave com 45 pessoas (fretada por um time de rúgbi) caiu no meio da cordilheira dos Andes. Só 16 pessoas conseguiram ser resgatadas, depois de 72 dias.

Três dos sobreviventes — Nando Parrado, Carlitos Paez e Gustavo Zerbino — estiveram no Rio, em 1993, por ocasião do lançamento do filme "Alive", a primeira versão cinematográfica da tragédia (ou milagre), estrelada por Ethan Hawke, dirigida por Frank Marshall e toda falada em inglês. Na época, em entrevista à repórter do "Jornal do Brasil" Susana Schild — hoje crítica de cinema do GLOBO — eles contaram como foi a experiência na montanha.

Zerbino lembrou que a decisão de comer carne dos colegas mortos (único jeito de sobreviver naquele lugar inóspito) foi mais difícil de tomar do que de executar. "Tínhamos que vencer tabus filosóficos, religiosos e fisiológicos", disse. "Mas, depois de 10 dias sem comer, a uma temperatura de 25 graus abaixo de zero, comer carne humana não era mais grave do que enfrentar a natureza, cuidar dos feridos, sobreviver à avalanche. Não somos heróis. Sofremos muito, mas sobrevivemos porque não perdemos o senso de humor, a solidariedade e a fé".

Na edição de 11 de março de 1974, O GLOBO publicou matérias especiais sobre o tema. O sobrevivente Antonio Valentim falou sobre o sacrifício de preparar a carne: cortada com gilete, seca ao sol. Os ossos também eram raspados para que eles consumissem cálcio. "Eles (os amigos) ofereceram seus corpos para que pudéssemos sobreviver". Mas nem todos aderiram. Rafael Echevarria, diz a matéria, preferiu a morte a se alimentar dessa forma.

"Apesar de causar repugnância inicial e protesto de familiares, a antropofagia dos Andes foi compreendida pela Igreja e pela Justiça", diz a matéria, assinada pelos correspondentes Renée Sallas e Hector Maffuche, direto de Montevidéu.

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