Na Flip, Colombe Schneck e Monique Roffey pedem liberdade para os corpos femininos

Temas como aborto e sexualidade foram abordados no encontro realizado no Auditório da Praça

Por — Paraty


As escritoras Colombe Schneck (à esquerda) e Monique Roffey e a mediadora Anabela Mota Ribeiro, em mesa na Flip 2023 Divulgação

Ao mesmo tempo fonte de criação e vítima de repressão, o corpo feminino foi protagonista do debate na mesa 17 da Festa Literária Internacional de Paraty. O encontro, batizado de “Os passarinhos se escondem dos homens”, reuniu a francesa Colombe Schneck com Monique Roffey, de Trinidade e Tobago. Enquanto a primeira trabalhou o tema com um sincero relato pessoal, a segunda se valeu da fantasia para isso.

Schneck escreveu “Dezessete anos” (Relicário), em que rememora um aborto que decidiu fazer na juventude. Ela contou que foi instada a escrever sobre a experiência pela colega compatriota Annie Ernaux, que temia que o silêncio e o tabu sobre o tema pudesse levar a retrocessos na França, onde o procedimento é legal.

— Há poucas obras literárias sobre o aborto, Annie Ernaux me dizia isso. Nós duas tivemos experiências muito diferentes, ela fez um aborto numa época em que era ilegal, como hoje no Brasil. As condições eram muito mais difíceis, com lugares perigosos.

Autora de 11 livros, premiados por instituições como Académie Française, Madame Figaro e Society of French Writers, Schneck fez um apelo:

— Por isso é preciso uma lei que permita fazer um aborto sem correr perigo. Com a proibição, o corpo da mulher vira algo menor, porque ela não pode decidir por si mesma. Numa democracia, as mulheres devem poder realizar um aborto — disse ela, aplaudida pelo publico no Auditório da Matriz.

Por sua vez, Roffey escreveu “Sereia de Concha Negra” (Dark Side), fantasia tem como personagem uma sereia pescada por turistas americanos que precisa se adaptar a um novo mundo. A figura mitológica marinha, ao mesmo tempo sensual e privada de sua sexualidade por ser metade peixe, serve como metáfora para a situação de mulheres sob o jugo do patriarcado. Perguntada sobre a obsessão das autoridades civis e religiosas em controlar o corpo feminino, ela respondeu:

— Acho que Deus faz uma competição de amor com a sexualidade feminina. É por isso que a maioria das religiões querem cobrir os nossos corpos — afirmou Roffey, que completou: — Mulheres carregam tanta culpa que não sabem verdadeiramente o que é ser livre sexualmente. Nenhuma de nós sabe.

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