Benjamín Labatut se torna fenômeno literário com histórias de cientistas que perderam a razão

Escritor chileno faz sucesso com 'Quando deixamos de entender o mundo', livro recomendado por Barack Obama, e garante que é indiferente ao sucesso: 'Nada disso te faz escrever melhor'

Por Ruan de Sousa Gabriel


O escritor chileno Benjamín Labatut, autor de 'Quando deixamos de entender o mundo' Divulgação — Foto:

No ano passado, o escritor chileno Benjamín Labatut sonhou que ganhava o International Booker Prize, um prestigioso prêmio literário. De helicóptero, soldados arrancavam-no da cama sob aplausos dos vizinhos e latidos dos cachorros. Após a decolagem, um oficial perguntava se ele preferia ser lançado ao mar ou em terra. O escritor despertou enquanto despencava, sem se lembrar do que respondera. Labutut de fato concorreu ao Booker no ano passado, com o livro “Quando deixamos de entender o mundo”, mas perdeu para o francês David Diop, autor de “Irmão de alma”.

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Indicado por Barack Obama, já publicado em mais de 20 idiomas e recém-editado no Brasil pela Todavia, “Quando deixamos de entender o mundo” perfila cientistas que perderam a razão (Karl Schwarzschild, Erwin Schrödinger, Werner Heisenberger e outros) e transformou Labatut no mais novo fenômeno editorial da América Latina. A loucura é um tema recorrente em sua obra. Em “La piedra de la locura”, que a Todavia promete lançar por aqui, ele escreveu sobre as perturbações mentais de escritores, cientistas e familiares.

Capa de 'Quando deixamos de entender o mundo' (Todavia), do escritor chileno Benjamín Labatut Reprodução — Foto:

Nesta entrevista, ele explica os benefícios de usar a literatura para investigar a insanidade, fugir dos contemporâneos e ser indiferente ao sucesso.

Quando deixamos de entender o mundo?

Nunca entendemos o mundo. Só entendemos as histórias que contamos sobre a realidade. Essas histórias estão em crise, embora nunca tenham sido muito firmes, vale dizer. De suas ruínas, criaremos outras, que nos darão uma nova imagem do mundo. Para isso, precisamos desenvolver um ponto de vista múltiplo, ter pontos de vista contraditórios sobre tudo, como se vivêssemos em “1984”. Considerando os opostos podemos ver mais longe, ainda que tanto paradoxo faça doer nosso sistema nervoso.

Os personagens e eventos narrados em “Quando deixamos de entender o mundo” são reais. O que é ficção no livro?

O livro tem mais ou menos a mesma proporção de ficção e não ficção que a realidade. A ficção aponta a estranheza, a ambiguidade, que a História, a ciência e a não ficção não admitem. Fornece o que a realidade jamais pode dar: sentido. A menos que estejam entrelaçados a uma história, os fatos mais escondem do que mostram.

Você já quis ser cientista?

Sempre quis ser escritor. Ou mágico. A ciência me fascina por fazer perguntas fundamentais, mas a liberdade da literatura é total, permite tratar todos os aspectos do fenômeno humano. Como escritor, não tenho que me limitar a teorias corretas, mas posso considerar o delírio e as fantasias mais perversas. A ciência tem método. Já a literatura funciona com a lógica dos sonhos. É uma forma de pensamento incendiária. Por não ter sistema ou importância, abre caminho ao desconhecido. Nos permite ser adeptos do mistério em um mundo obcecado em revelar tudo.

Segundo Shinichi Mochizuki, um dos cientistas perfilados no livro, certas coisas deviam permanecer ocultas para sempre, “pelo bem de todos nós”. Você concorda?

O saber oculto, as palavras que nunca devem ser ditas, a visão que não se pode compartilhar, se perdemos essas coisas por completo, perdemos o essencial. O ser humano precisa do mistério como precisa da água. Não podemos viver em um mundo desprovido de enigmas. Não há um ser humano mais pobre do que aquele que sabe tudo. A escuridão também ilumina. Se só tivéssemos a luz, viveríamos completamente cegos.

A qualidade da ficção chilena contemporânea é reconhecida internacionalmente. No entanto, você já disse que foge de seus contemporâneos como da peste. Por quê?

Estamos todos pensando com as ideias e as palavras dos outros. Não quero pensar em bando: os temas do meu tempo, a linguagem dos meus colegas. Há muito escritor que trabalha olhando para o lado quando deveria olhar para frente. E para trás, é claro, para os mestres que fazem essa vocação de merda ter algum sentido.

Você concorreu ao Booker, foi chamado de “o novo fenômeno editorial da América Latina” pela imprensa espanhola e elogiado por Obama. O sucesso mudou sua vida?

O escritor chileno Benjamín Labatut, autor de 'Quando deixamos de entender o mundo' Divulgação — Foto:

Como é chato falar de sucesso. Cada vez que alguém me pergunta sobre o meu sucesso, ouço uma vozinha do futuro me perguntando sobre o meu fracasso. Lido com o sucesso levando exatamente a mesma vida de antes. Se você gosta de escrever, tudo o que o mundo exterior pode oferecer — aplausos, dinheiro, prêmios —, é indiferente. Nada disso te faz escrever melhor. E é só isso o que importa.

Quais as suas expectativas quanto ao novo governo chileno?

Votei em Boric, mas não tenho expectativas quanto a nenhum governo. Se é verdade que toda a América Latina está de olho no Chile, talvez seja melhor olhar para outro lugar, como a Antárdida ou a Lua. Pouca gente sabe, mas a Lua é chilena: um advogado chamado Jenaro Gajardo Vera registrou-a em seu nome em um cartório de Talca, em 1954, por 42 pesos.

Há algo que você gostaria de acrescentar?

Não. Pode cortar metade do que eu disse. É tudo jogo de palavras. E eu tento me manter livre das minhas próprias opiniões. As pessoas estão absolutamente algemadas pelo que pensam sobre o mundo, sobre si próprias e sobre os outros. Não entendem que seriam mais livres se fechassem a boca, os ouvidos e olhos e se concentrassem na experiência. O que você pensa é a capa menos importante da sua mente. O que você vive é o que importa.

Serviço:

"Quando deixamos de entender o mundo"

Autor: Benjamín Labatut. Tradução: Paloma Vidal. Editora: Todavia. Páginas: 176. Preço: R$ 59,90.

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