Sem medo de ser best-seller, editora Record chega aos 80 anos e volta a investir em literatura

Gerido por mulheres, segundo maior grupo editorial do país apostou em autores conservadores na última década: 'Queremos abrir espaço para as diferentes linhas de pensamento político', diz editora-executiva

Por Ruan de Sousa Gabriel — São Paulo


Em sentido horário, Sônia e as sobrinhas Rafaela e Roberta, que comandam a editora atualmente Leo Martins

Fundador do Grupo Editorial Record, Alfredo Machado (1922-1991) defendia a “política de Robin Hood”: lançar títulos mais comerciais, que vendessem como água, para custear a publicação da chamada alta literatura. Esse e outros ensinamentos do patriarca ainda são seguidos à risca por sua filha, Sônia Machado Jardim, e suas netas, as irmãs Roberta e Rafaella Machado, à frente do negócio da família, que completou 80 anos este mês. De fato, no catálogo da Record convivem Graciliano Ramos e Sidney Sheldon, Gabriel García Márquez e Isabel Allende, Albert Camus e Collen Hoover.

— O best-seller é fundamental para a cadeia do livro, não só para as editoras. É o livro de giro rápido que leva o leitor para dentro da livraria. Papai tinha uma outra frase emblemática: “A Record publica do sublime ao ridículo, com mais ênfase no ridículo” — brinca Sônia, presidente do grupo.

Vice-presidente do grupo, Roberta Machado credita parte do sucesso da editora à gestão feminina: as mulheres são a maioria (a presidente, a vice e quatro dos cinco editores-executivos).

— O estilo de gestão feminino é mais participativo. Nos últimos anos, montamos estruturas bem menos hierarquizadas e centralizadas para poder ouvir todo mundo — diz ela, que é filha de Sergio Machado, ex-presidente do grupo e irmão de Sônia, morto em 2016.

A Distribuidora Record de Serviços de Imprensa foi fundada em 1º de dezembro de 1942. No início, negociava direitos de publicação de tirinhas e oferecia serviços gráficos. Depois, passou a distribuir livros. Em 1957, lançou seu primeiro título: “Das sociedades mercantis (Formulários e legislações)”, de Yara Müller, uma obra jurídica. Em 1964, ano da publicação de “Escolha o seu sonho”, crônicas de Cecília Meireles, veio o primeiro best-seller: “Os insaciáveis”, de Harold Robbins, romance cheio de sexo protagonizado por um milionário e uma estrela de cinema.

Atualmente, a Record tem quase de 8 mil títulos ativos no catálogo e 13 selos — alguns são editoras históricas que acabaram incorporadas pelo grupo, como Civilização Brasileira, Paz & Terra e José Olympio. Publicam de tudo: infantojuvenis, teoria feminista, pensadores e direita e de esquerda, livros de negócios e, é claro, literatura. Neste mês de aniversário, 80 títulos estão sendo vendidos a R$ 30, como “Cem anos de solidão”, de García Márquez e “O estrangeiro”, de Camus. Também acaba de ser lançada a antologia de contos “Tempo aberto”, organizada pelo escritor e editor-executivo da Record Rodrigo Lacerda, com narrativas de autores da casa como Alberto Mussa, Nélida Piñon e Nei Lopes.

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A contratação de Lacerda, no início de 2021, sinalizou que a Record planejava voltar a investir em literatura. Na última década, a editora preferiu apostar em não ficção e, particularmente, autores de direita. Publicou conservadores como o filósofo inglês Roger Scruton e o economista americano Thomas Sowell e brasileiros como Rodrigo Constantino e Olavo de Carvalho, que morreu em janeiro. No ano passado, porém, anunciou que não renovaria com Olavo por seu “posicionamento antidemocrático”. A decisão havia sido tomada ainda na gestão de Carlos Andreazza, ex-editor-executivo do grupo e colunista do GLOBO. Sônia, Roberta e Rafaella afirmam que a Record tem o compromisso de publicar autores espalhados por todo o espectro político.

— Nosso objetivo é estimular o debate. Queremos abrir espaço para todas as linhas de pensamento político, desde que elas não atentem contra a democracia — diz Rafaella, que lamenta que a Record não tenha ficado conhecida por também editar Paulo Freire.

Talvez hoje a Record seja mais conhecida por ser novamente a casa de Carlos Drummond de Andrade, cuja obra voltou à editora em 2021. Ou por publicar Carla Madeira, ficcionista que mais vende livros no Brasil depois de Itamar Vieira Junior. Carla é uma das poucas autoras capazes de agradar a tia e as sobrinhas, que têm gostos literários diferentes. Sônia gosta de romances históricos; Roberta está obcecada por “Um defeito de cor”, romance de Ana Maria Gonçalves; e Rafaela prefere fantasia e tenta convencer a tia e a irmã a ler também os livros para jovens que ela publica.

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