Ilustrador diz que desclassificação do Jabuti foi 'melhor coisa' e quer inspirar prêmio para IA

Designer Vicente Pessôa afirma que exclusão se deu por 'medo da pressão do público'

Por — São Paulo


Imagem gerada por IA que ilustra a edição de 'Frankenstein' publicada pelo Clube da Literatura Clássica Divulgação

Desclassificado do Jabuti por ter usado inteligência artificial para ilustrar a edição de "Frankenstein", clássico de Mary Shelley publicado pelo Clube de Literatura Clássica, o designer Vicente Pessôa disse que a exclusão do concurso literário é “a melhor coisa que podia acontecer”.

— Para mim, esse é o prêmio. O novo é sempre recebido com ódio e crítica. Se inventarem um troféu para ilustrações feitas por IA, o que eu acho que seria muito esquisito, poderia se chamar Prêmio Frankenstein, em homenagem ao nosso projeto.

A desclassificação de Pessôa foi anunciada na tarde desta sexta-feira (10). “A Câmara Brasileira do Livro (CBL), organizadora do Prêmio Jabuti, informa que a obra 'Frankenstein', editada pelo Clube de Literatura Clássica, que utilizou ferramentas de inteligência artificial (IA), foi revista e desclassificada”, afirma a nota divulgada à imprensa.

A entidade afirmou que “casos não previstos no Regulamento” são “deliberados pela curadoria”, que concluiu que obras geradas por IA não são elegíveis para o Jabuti. “A utilização de ferramentas de inteligência artificial tem sido objeto de discussão em todo o mundo, em razão dos princípios de defesa dos direitos autorais”, completa o comunicado, jogando lenha na já incandescente discussão sobre o estatuto da arte produzida por IA.

Ao GLOBO, Vicente Pessôa disse que o regulamento do Jabuti não vetava explicitamente obras criadas com o auxílio de IA e que é a “qualidade do trabalho” que deveria estar em pauta. Ele também acusou a CBL de tê-lo desclassificado por “medo da pressão pública”.

— A maioria das críticas não se apoiava em questões estéticas. Mas eu já esperava ser desclassificado. É sempre assim. Quando surgiu a fotografia, os pintores disseram que era uma arte menor, que iam ficar sem trabalho. Quando alguém sai na frente, os atrasados reclamam — afirma o designer, que não pretende contestar a decisão da CBL. — Acho um desperdício meus colegas não usarem IA. Ou será que usam e não assumem?

O designer descreveu como funciona a Midjourney, a IA usada para ilustrar “Frankenstein”: a ferramenta cria imagens a partir de descrições fornecidas pelo usuário, que depois pode ajustá-las. Por exemplo: pode determinar que elas imitem o estilo de determinado artista, corrigir a luminosidade, adicionar textura, redefinir as proporções etc. Ele conta que gerou mais de 1.200 imagens para o livro, mas apenas 50 permaneceram na edição final.

Em nota enviada ao GLOBO, o Clube da Literatura Clássica chamou a decisão da CBL de “injusta” e disse que a opção de ilustrar “Frankenstein” com imagens geradas por IA foi “conceitual”. “O clássico de Mary Shelley narra o desenvolvimento de uma ‘inteligência artificial’: a monstruosa criatura do Dr. Frankenstein. Essa escolha foi feita para aprofundar o significado da obra e o questionamento que ela provoca sobre os limites da tecnologia: uma inteligência artificial ilustrando outra inteligência artificial, um monstro ilustrando outro monstro”, afirma o comunicado.

O curador do Jabuti, Hubert Alquéres, disse ao GLOBO disse que a CBL desclassificou “Frankenstein” após ouvir o departamento jurídico e os jurados da categoria. O primeiro explicou que o uso da IA não é regulamentado: não há remuneração dos autores do conteúdo que alimenta as bases de dados, por exemplo. O júri afirmou que teria avaliado “Frankenstein” com outros critérios se soubesse que as imagens haviam sido geradas por IA.

Alquéres assegurou que a questão da IA será contemplada na próxima edição do prêmio. Ainda não se sabe quais serão as mudanças, mas é certo que, no ato da inscrição, será preciso explicitar se houve uso de IA na confecção da obra. Na ficha catalográfica de “Frankenstein”, consta que as ilustrações e o projeto gráfico são de autoria de “Vicente Pessôa e Midjourney”

No lugar de Pessôa, concorrerá ao prêmio a designer a ilustradora Bruna Lubambo, autora das imagens de "O centauro e a sereia", livro publicado pela editora Elo.

Os cinco finalistas de cada categoria do Jabuti serão anunciados no dia 21 de novembro. A cerimônia de premiação está marcada para o dia 5 de dezembro, no Theatro Municipal de São Paulo. Haverá transmissão pela internet.

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