Glicéria Tupinambá faz Auditório da Matriz dançar em ritual indígena na Flip

Itamar Vieira Junior e Miriam Esposito também participaram da mesa 19

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Miriam Esposito, Itamar Vieira Junior e Glicéria Tupinambá na Flip 2023 Divulgação

A penúltima mesa da Flip começou e terminou neste domingo com uma celebração à ancestralidade brasileira. No encontro batizado de “Só então pude falar”, Glicéria Tupinambá colocou a plateia do lotado Auditório da Matriz para bater os pés no chão enquanto ela entoava uma música ritualística de seu povo. Itamar Vieira Junior e Miriam Esposito também participaram da conversa, mediada pela jornalista Adriana Ferreira da Silva.

A conversa girou em torno de temas como educação, saberes tradicionais e cultura popular. Apresentado pela mediadora como o mais importante escritor da literatura contemporânea brasileira, Viera Junior falou sobre as metamorfoses pelas quais o mercado de livros passou recentemente, com mais atenção e investimento em obras de autores periféricos que antes não tinham voz.

— Houve uma mudança de paradigma — explicou o autor de Salvar o fogo (Todavia). — Se antes nos importávamos com quem fundou Paraty, com os privilegiados do destino, hoje não se aceita mais isso. Queremos ouvir as vozes dos que quebraram as pedras e que construíram essas casas, porque eles fizeram muito mais. Talvez isso cause desconforto em quem tem privilégios.

O autor de “Torto Arado”, livro de 2019 vencedor dos prêmios Oceanos, Jabuti e Leya, complementou:

— Parte da História brasileira é uma história que quer ser contada, que quer ser lida. Porque o que tem sido escrito hoje pelos meus pares reflete o desejo dos leitores. Então, mais uma vez, a literatura se apresenta como ponte que nos conecta e que nos restitui histórias que nos foram negadas pela violência histórica, pela violência colonial.

Itamar Vieira Junior, autor de “Torto Arado”, livro de 2019 vencedor dos prêmios Oceanos, Jabuti e Leya — Foto: Divulgação

Vencedora do prêmio Pipa deste ano, Glicéria Tupinambá é natural da Serra do Padeiro na Bahia e realizou a exposição “Kwá Yepé Turusú Yuriri Assojaba Tupinambá / Esta é a Grande Volta do Manto Tupinambá” em Brasília. Na mostra, ela tentou reconstruir um manto indígena cerimonial de sua etnia que atualmente só existe em museus e coleções europeias. Ela explicou que, ao contrário do que se diz, as peças não foram roubadas, mas ofertadas por embaixadores tupinambá que viajaram à países como França em busca de apoio para combater Portugal.

— Estamos aqui para dizer que existimos. No ritual antropofágico, se casava com o inimigo. Não é fácil, mas é preciso entender o inimigo por dentro, mesmo que você se torne um pouco o corpo inimigo. Esse corpo, com dois sangues, não é menos, é mais. É força. Resolvemos viver camuflados e se tornar o outro. Mas não deixamos de ser nós. Enquanto o território existir, nós existiremos: híbridos e únicos.

Por fim, Miriam Esposito foi muito aplaudida quando começou sua fala afirmando que o espaço da Flipinha e da Flipzona não é apenas um “puxadinho”, como foi noticiado por alguns jornalistas que cobriram a festa. Professora da rede pública em Paraty, ela escreveu um livro “Seu Joaci e o tempo” (Peirópolis). A obra, vencedora do 6° Prêmio Territórios 2022 do Instituto Tomie Ohtake, foi escrita em parceria com os alunos e conta a história real de um pescador caiçara que consegue interpretar e prever os fenômenos climáticos.

— Cheguei a Paraty em 1985 para dar aula de português e literatura no maior colégio estadual da cidade. Na estrada, me deparei com casas sendo queimadas por uma empresa multinacional. Depois, conheci a luta da Vila de Trindade. Me senti na obrigação de ajudar no resgate desses territórios. A luta do professor não é visível, mas é uma incrível ferramenta.

Mateus Campos, especial para O GLOBO.

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