Pessoas que fazem loucuras são 'vítimas da desinformação' e 'economicamente infelizes', diz psicólogo social

Autor do clássico 'O animal social', americano Elliot Aronson defende que 'comportamentos disfuncionais podem ser mudados se a pessoa for colocada em um ambiente que incentiva o que há de melhor nela'

Por — São Paulo


O psicólogo social americano Elliot Aronson, autor de 'O animal social' (Goya) Wikimedia Commons

O psicólogo social americano Elliot Aronson pertence ao seleto grupo dos cientistas que têm uma lei com seu nome, como Isaac Newton e Robert Boyle. “As pessoas que fazem loucuras não são necessariamente loucas”, diz a primeira Lei de Aronson, formulada por ele no livro “O animal social”, de 1972. Aos 92 anos, Aronson é a única pessoa a ter ganhado os três principais prêmios da Associação Psicológica Americana, como autor, professor e pesquisador.

Seu campo, a psicologia social, busca compreender como o meio em que vivemos influencia nosso comportamento. Aronson brinca que exerce a profissão desde menino, quando tentava entender por que crianças católicas o agrediam com frases antissemitas na cidade operária de Revere, no Nordeste dos Estados Unidos. Mais tarde, nos anos 1970, elaborou estratégias para incentivar a cooperação entre crianças brancas e negras e aliviar a tensões nas escolas americanas.

Embora seja um clássico que contribuiu para formatar a disciplina, “O animal social” só foi publicado no Brasil no final de 2023 — uma nova edição, completamente revista por Aronson e seu filho, Joshua, que seguiu a profissão do pai. Esta atualização, como ele conta a seguir na entrevista realizada por e-mail, incluiu os avanços e os desafios enfrentados pela psicologia social nas últimas cinco décadas, como a emergência da internet e sua influência no comportamento humano.

Como a psicologia social mudou desde a primeira edição de “O animal social”?

Surgiram teorias interessantes, como a da dissonância cognitiva, e as experiências de laboratório se tornaram mais refinadas e poderosas. Além disso, apareceram novas abordagens de temas importantes, como a publicidade e o combate ao preconceito.

Como o advento da internet impactou a psicologia social?

A internet nos coloca tanto um problema quanto uma possível solução. O problema é que agora todo mundo tem um megafone e é capaz de atingir uma multidão com mentiras e desinformação. A solução exige que cientistas sérios encontrem maneiras de cativar a audiência para combater desinformação com conhecimento. É responsabilidade dos cientistas usar a rede para o bem comum. Já fazemos isso, mas precisamos ser mais eficientes.

Que tipo de problemas a psicologia social pode ajudar a resolver?

A psicologia social promove a aprendizagem cooperativa, incentivando a amizade e a tolerância entre diferentes grupos étnicos e raciais, o que resulta em uma vida coletiva mais harmoniosa. O mundo ficou menor. Temos que convencer os governos a ajudar as pessoas a se adaptar a essa mudança. Como disse o poeta W.H. Auden: “Devemos amar uns aos outros ou morrer.” Tudo bem, talvez não precisemos amar uns aos outros, mas sim valorizar as diferenças e aprender a agir com compreensão e bondade. Mas isso não se aprende com sermões, mas sendo incentivado a cooperar. Se conseguirmos fazer isso, podemos reduzir os problemas que o mundo enfrenta.

Mas, para conseguir isso, a psicologia social precisaria do apoio dos governos, não?

Correto. Os políticos precisam entender o valor da cooperação. Como psicólogo social, eu desenvolvi várias estratégias bastante eficazes, mas falhei tentando implementá-las. Estou com 92 anos e a próxima geração precisará assumir essa tarefa. Espero que sejam mais bem-sucedidos do que fui.

Qual é o maior desafio da psicologia social hoje?

Combater o preconceito contra o “outro”, reduzindo o tribalismo e ajudando as crianças a serem mais receptivas ao diferente.

A primeira lei de Aronson diz: “As pessoas que fazem loucuras não são necessariamente loucas”. Pode explicar melhor?

Bom, às vezes elas são loucas mesmo. Mas, na maior parte das vezes, a loucura não está enrizada na personalidade daquele que a comete. Atitudes aparentemente loucas são influenciadas por situações específicas. O motorista nervoso que grita com a gente pode ser um cara relativamente legal, só está estressado, preocupado com o filho doente. Determinadas situações podem levar pessoas boas a serem desagradáveis, desonestas e rudes. A psicologia social acredita que comportamentos disfuncionais podem ser mudados se a pessoa for colocada em um ambiente que incentiva o que há de melhor nela.

Invadir a sede dos poderes da República, como aconteceu nos Estados Unidos e no Brasil, podem ser um caso de comportamento disfuncional influenciado pelo ambiente?

As pessoas que fizeram isso são infelizes econômica e socialmente, vítimas de desinformação que procuram soluções simples, seja uma minoria para culpar, seja um ditador fascista para salvá-las. Elas precisam aprender a pensar criticamente e entender que as soluções são complexas. Quando um político diz que a culpa é dos imigrantes, precisamos exigir provas, como fazem os cientistas. O que aconteceu em Washington e em Brasília não é novo. Já tinha acontecido na Alemanha e na Itália há cem anos. Mas agora a psicologia social dispõe de dados e ferramentas para nos ajudar a entender e lidar com esses problemas.

Como impedir que as pessoas acreditem em fake news?

Ensinando as crianças a pensar criticamente e por conta própria desde a escola, incentivando-as a examinar os argumentos com um olhar científico e a verificar se há dados que os sustentam.

Você escreve que vivemos em um estado de tensão entre a individualidade e a conformidade. Como assim?

Em cada situação, devemos refletir se é melhor se conformar ou inovar. Por exemplo, ao fazer um experimento científico, posso ser orientado a dar um choque de 400 volts em uma pessoa. Mas será que eu devo? Não posso encontrar um jeito de recusar, por não querer machucar um inocente? Uma pessoa racional e atenciosa sabe que algumas situações exigem conformidade e outras não.

Serviço:

'O animal social'

Autor: Elliot Aronson, com Joshua Aronson. Tradução: Marcello Borges. Editora: Goya. Páginas: 504. Preço: R$ 99,90.

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