Quem é Ana Lima Cecilio, a nova curadora da Flip, que promete montar a programação com olhar de livreira

Há 20 anos no mercado editorial, ela diz que ‘livrarias dão pistas do que é urgente discutir’; festa de 2024 deve ser em setembro

Por — São Paulo


A editora Ana Lima Cecilio, a nova curadora da Flip Ciça Pinheiro/ Divulgação

A nova curadora da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) foi a primeira editora de Elena Ferrante no Brasil, adora um “romanção” e promete montar a programação com “olhar de livreira”. A direção da Flip confirmou ao GLOBO que a editora Ana Lima Cecilio estará à frente do evento de 2024, em sua 22ª edição. Formada em Filosofia pela USP, Ana atua há mais de duas décadas no mercado editorial. Trabalhou em editoras como a extinta Cosac Naify, Globo Livros (onde publicou Ferrante pelo selo Biblioteca Azul) e Carambaia. Nos últimos três anos, foi curadora da livraria on-line Dois Pontos, onde selecionava títulos para os clubes de leitura da loja.

No que depender da nova curadora, a Flip deste ano será quente. Em conversa com o GLOBO, Ana elencou assuntos que pretende levar para a programação da festa, como o racismo, o lugar social da mulher, a indústria das fake news e a crise climática. Todos esses temas, lembra ela, estão nas prateleiras de qualquer livraria que se preze.

— Trabalhar numa livraria me deu uma visão mais ampla do mercado editorial. Conheci editoras grandes e pequenas de todo o Brasil e pude ver como os catálogos têm refletido nossas preocupações políticas e sociais — explica. — As livrarias nos dão pistas preciosas para entendermos o que é urgente discutir e os diagnósticos que a cultura está produzindo.

Dilemas da curadoria

Ana esclarece que esse desejo de discutir o presente não quer dizer que a programação da 22ª Flip privilegiará a não ficção e deixará a literatura em segundo plano — uma queixa recorrente é a de que a festa anda mais política do que literária. E cita outra lição aprendida com as livrarias: a ficção não têm se furtado a pensar o presente.

— Há autores incríveis, brasileiros e estrangeiros, que pensam a crise climática por meio da ficção, por exemplo — afirma. — A literatura vai se fazendo à medida que a gente vive, sem ignorar o presente. A ficção também constrói pensamento e faz diagnósticos de época, muda a vida da gente.

Este ano, o posto de curador da Flip volta a ser ocupado por uma única pessoa. Desde 2020, quando Fernanda Diamant se demitiu dizendo que a festa precisava de “uma mulher negra para reinventá-la”, a programação foi assinada por coletivos curatoriais: cinco pessoas em 2021, um trio em 2022 e a dupla formada pela crítica literária Milena Brito e pela poeta e editora Fernanda Bastos (duas mulheres negras) em 2023.

Com Ana, a curadoria da Flip também voltou a ser chefiada por um nome que fez carreira no mercado editorial. De 2003, ano em que estreou a festa, a 2020, o posto costumava ser ocupado jornalistas ou editores. Já os coletivos curatoriais que desenharam as últimas edições tinham um perfil mais acadêmico e aprofundaram a abertura da Flip à diversidade, que vinha ganhando força desde a curadoria da jornalista Joselia Aguiar, em 2017. A presença de autores negros, indígenas, mulheres, LGBT e editoras independentes na festa aumentou. O público (também mais diverso a cada ano) celebrou as mudanças.

Na última edição, porém, circulou com mais força outra reclamação recorrente: a festa estaria cada vez menos pop e sem estrelas capazes de atrair plateias. Essa crítica costuma vir acompanhada de lembranças das primeiras edições do evento, quando autores como Margaret Atwood e Salman Rushdie circulavam pelo centro histórico de Paraty.

A nova curadora elogia o trabalho de seus antecessores e afirma que a Flip de fato “precisava acolher de forma mais consistente as demandas identitárias”. O diretor artístico da festa, Mauro Munhoz, disse que “todas as curadorias são coletivas”, ainda que nem todas sejam apresentadas ao público dessa maneira.

— Cada curadoria ilumina diferentes aspectos do fenômeno literário, que é sempre transformador — afirma Munhoz. — A literatura é uma ferramenta para abordar as grandes questões do presente sem cair em interpretações binárias.

Inclusão e calendário

Tanto a curadora quanto o diretor artístico estão comprometidos a continuar a expansão do público da Flip e querem que os moradores da cidade ocupem mais lugares no Auditório da Matriz, onde acontece a programação principal. Munhoz lembra que 10% dos ingressos são distribuídos gratuitamente para projetos socioeducativos e outros 20% são vendidos com desconto (R$ 39,60) para paratienses. No ano passado, as entradas custavam R$ 130.

A data da 22ª Flip deve ser confirmada em breve. A direção da festa espera conseguir realizá-la em setembro, mas ainda não foi possível fechar uma data no disputado calendário de eventos de Paraty. O objetivo continua sendo trazer a Flip de volta para julho em 2025 (as duas últimas edições foram realizadas em novembro). O autor homenageado deve ser divulgado em junho.

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