‘Bolsominions querem ensinar o Marcelo D2 a fazer o Planet Hemp’, debocha rapper

Grupo lança ‘Jardineiros’ , primeiro álbum de inéditas em 22 anos, e diz que, no atual momento do país, voltar a compor era uma dívida com com sua história, ‘de não ficar calado, de não se omitir’

Por Silvio Essinger — Rio de Janeiro


O grupo Planet Hemp Divulgação/Fernando Schlaepfer

Sim, estava mais do que hora do Planet Hemp voltar a lançar um álbum de inéditas. "Jardineiros", estreia da banda carioca na Som Livre, chega às lojas e plataformas nesta sexta-feira — simplesmente 22 anos depois do disco anterior do grupo, “A invasão do sagaz homem fumaça”, de 2000. Para BNegão, o sinal de que havia algo novo – e necessário – a se dizer foi dado em 2016, quando o grupo se apresentava no Circo Voador e dedicou a música “Porcos fardados” a Jair Bolsonaro – o então deputado federal que dias antes louvara um torturador do regime militar, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, em seu discurso pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.

— Eu falei: “quem gosta dele não tem que gostar da gente, o Bolsonaro quer ver a gente morto!”. E o Circo virou uma loucura, metade aplaudiu, metade vaiou. E eu pensando: “será que o pessoal não entende a porra das letras?” — recorda-se. — Seria cômico se não fosse trágico. Mas hoje em dia, você vê até fãs de Rage Against The Machine e System of a Down dizerem que preferiam essas bandas quando elas não falavam de política...

A política, segundo o BNegão, foi o estopim para a banda se coçar a fim de aprontar um novo repertório – eles se apresentam com regularidade há pelo menos dez anos, desde que fizeram um show a fim de arrecadar fundos para o tratamento de saúde do baixista Formigão. Marcelo D2, fundador do Planet Hemp em 1993 (junto com o amigo Skunk, já falecido), compartilha do desconforto de BNegão.

— Isso é lutar para ser ignorante, para ser massa de manobra, para ser ovelha. É lutar para ter um mito. Mas tem gente que nasceu para isso, para brigar a fim de que não mexam no dinheiro do patrão — provoca o rapper, conhecido por sua intensa atuação nas redes sociais. — Outro dia eu falei: “Vocês, bolsominions, são engraçados. Querem ensinar o que é nazismo para os alemães, cristianismo para o papa e querem ensinar pro Marcelo D2 como é que faz Planet Hemp!”

Em 2019, depois de se apresentarem em Salvador, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, BNegão, D2, Formigão, o baterista Pedro Garcia e o guitarrista Nobru Pederneiras se animaram a entrar num estúdio da cidade e lá surgiram as bases para as faixas “Taca fogo” e “Amnésia”.

— Ficamos de compor mais, e aí não saiu nada. Em 2020, a gente ia fazer mais músicas, mas só o Marcelo conseguiu dar uma adiantada nas letras e gravar alguma coisa na casa do Pedro. Eu mesmo não consegui escrever porra nenhuma — admite BNegão.

Só em 2022, com a insistência de Pedro Garcia (que marcava as reuniões dos músicos para compor, nem sempre com sucesso) é que a musa deu o ar de sua graça e “Jardineiros” foi ganhando forma.

— A gente tinha muita ideia, e preparou 23 músicas... Mas a vontade era de fazer um disco triplo! — revela D2. — Eu estava com saudade de gravar um disco com os caras, de escrever de novo para o Planet Hemp. Tem uma certa raiva posta para fora quando você compõe para um disco como esse. (O Planet) é o lugar onde eu escrevo melhor. E nesse momento, compor era quase como uma dívida nossa com a nossa história, de não ficar calado, de não se omitir.

Acidente de percurso

O Planet Hemp, em 1993 — Foto: Monique Cabral

Não por acaso, a canção “Jardineiro” (“jardineiro não é traficante / ouça o que eu tô lhe dizendo, cumpadi / não compre, plante”) foi a escolhida para dar título ao novo álbum do Planet Hemp.

— A gente expandiu o significado dela para questões mais amplas, como o plantio de ideias— explica BNegão. — O Planet jogou muitas sementes ao longo do tempo, muitas pessoas começaram a se interessar pelo ativismo social e político e por causa da banda.

Para BNegão, o Planet Hemp (que estreou com estardalhaço em disco em 1995, com o álbum “Usuário”) é “um acidente de percurso na música brasileira”.

— Era uma parada para ficar normalmente no underground. Se ela chegasse ao tamanho do Ratos (de Porão) a gente ficaria amarradão, seria um lucro. Mas a gente furou a bolha, antes mesmo de existir o termo, foi para o mainstream e atingiu muita gente de quem a gente nem fazia ideia — admira-se. — O Planet faz uma música de mudança, para tirar a pessoa da zona de conforto, botar o dedo na ferida e de dar fios para as pessoas puxarem.

Utopia e Joe Biden

Já para Marcelo D2, o Planet Hemp “é um lugar utópico, esse planeta maconha onde a gente ainda quer chegar”. Ele se alegra em constatar como, mais uma vez, em 2022, a maconha é um símbolo perfeito para se entender os tempos em que se vive.

— A gente vê o império americano legalizando a maconha e se fortalecendo economicamente com ela enquanto as veias abertas da América Latina ainda estão matando com essa política de repressão às favelas — compara ele, ciente da ironia de estar lançando “Jardineiros” dias depois de o presidente americano, Joe Biden, ter perdoado condenados por posse da erva. — Essas pessoas tinham que ter prioridade no mercado da Cannabis, tinham que ter financiamentos... Uma reparação histórica! O mínimo é tirar da cadeia e dizer “desculpe a merda que eu fiz!”

Se movimentando como sempre entre o rap e o punk hardcore, o Planet Hemp de “Jardineiros” traz, porém, uma nova sonoridade, burilada pelos integrantes da banda com produtores como Nave, o ex-Planet-atual-Tropkillaz Zegon e Mario Caldato. E, no disco, eles ainda contaram com as participações de convidados de gerações posteriores do hip hop, como o paulistano Criolo (em “Distopia”, o primeiro single) e o argentino Trueno, em “Meu barrio” (“é um moleque que cresceu ouvindo Planet Hemp, que começou no rap com o pai cantando ‘Loadeando’”, informa Marcelo D2).

— A gente não ficou datado, a gente está vivendo o que está acontecendo. O novo disco é tudo o que a gente tinha de bagagem, mais o que a gente foi recebendo. No que a música puxou, a gente respondeu. É algo que dialoga com o nosso início, mas é de agora — analisa BNegão.

E D2 acrescenta:

— Essa é a sonoridade que mais representa o que seria o Planet Hemp começando hoje, essa eletrônica suja. Essa porrada de mãos contribuiu para que a gente chegasse com propriedade a essa sonoridade diferente. A gente sabia muito bem no estúdio qual música cada um poderia controlar. Os convidados ajudaram a cultivar esse jardim tão diverso que é o disco.

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