Douglas Germano: parceiro paulistano de Aldir Blanc, gravado por Fundo de Quintal e Elza Soares, chega ao Circo Voador

Revelado pelo grupo Metá Metá, cantor e compositor fala de suas origens no pagode de SP e comenta: 'Tem gente que ouve o que eu faço e não entende aquilo como samba'

Por — Rio de Janeiro


O cantor e compositor Douglas Germano Joice Aguiar/Divulgação

Para um compositor que começou a carreira fonográfica aos 20 e poucos anos com samba gravado pelo grupo Fundo de Quintal, pode-se dizer que o paulistano Douglas Germano, 55, teve uma trajetória das mais incomuns: com ácidas canções popularizadas nos anos 2010 pelo trio vanguardista Metá Metá (e pela carreira solo de sua vocalista, Juçara Marçal), ele emplacou em 2015 “Maria de Vila Matilde”, uma das canções mais comentadas do disco da virada de Elza Soares, “A mulher do fim do mundo”.

Esta sexta-feira, Douglas — um dos últimos parceiros de Aldir Blanc (1946-2020) — se apresenta pela primeira vez no Circo Voador, com seu quarteto, e com encerramento proporcionado pela Espetacular Charanga do França (de Thiago França, saxofonista e flautista do Metá).

— Tem gente que ouve o que eu faço e não entende aquilo como samba. Mas é porque eu tenho essa visão de que o Zeca Pagodinho é samba para caramba, mas assim a Leny Andrade, com piano, baixo e bateria, também é samba para caramba — discorre por telefone, de São Paulo, o cantor e compositor. — E eu me identifico muito com a questão da temática. O samba vive uma alegria que não acaba nunca, e a gente não vive essa alegria. Ao mesmo tempo, o lamento do samba tem uma certa passividade que me incomoda. Vamos ficar no lamento ou vamos tentar dar uma volta? Eu tô nessa turma que tenta dar a volta.

Filho de um percussionista do Conjunto Acadêmico da Guanabara, Douglas Germano despontou quando o samba “Vida alheia” foi gravado pelo Fundo de Quintal no LP “É aí que quebra a rocha”, de 1991. Não exatamente um começo de carreira mas, segundo ele, “o resultado de um trabalho que vem de antes, do começo dos anos 1980”.

— Essa foi uma parceria com o Carica, um outro compositor aqui de São Paulo, de uma turma de compositores que ia aos sábados ao botequim da (escola de samba) Camisa Verde e Branco. Fizemos essa aí, o Arlindo (Cruz) gostou do samba e levou para o grupo gravar — conta. — O botequim do Camisa tinha um palco aberto. Eu, Carica e Luizinho SP subíamos muito lá. E tinha os que subiam com grupo montado, como o Leandro Lehart (do Art Popular) e o Netinho de Paula (Negritude Júnior), aquela turma toda do que se convencionou chamar depois de pagode paulista.

Já Douglas seguiu por outros caminhos.

— O samba romântico não fazia muito minha cabeça. Também trabalhei a vida inteira com publicidade (como designer gráfico) e aquilo me absorvia demais. Eu compunha, mas era um negócio que guardava meio como um hobby — conta. — Eu curtia Paulinho da Viola, esse pagodão com aquele formato que começa e termina sempre do mesmo jeito me enchia um pouco o saco. Nesse contexto da arregimentação, o Paulinho era muito mais interessante. Você pega um disco dele e em cada faixa o surdo tá com uma afinação diferente.

Nos anos 2000, ele conheceu o cantor, violonista e compositor Kiko Dinucci, com quem, no Ó do Borogodó, na Vila Madalena, se apresentou entre 2005 a 2008 com o bando Afromacarrônico. Em 2008, com Juçara Marçal e Thiago França, Kiko fundou o Metá Metá, grupo que fundia afrossamba, jazz e noise e que virou o veículo para canções de Douglas como “Obá Iná” e “Sozinho” (bem como a carreira solo de Juçara projetou “Canção pra ninar Oxum”, entre outras composições dele).

— Essa turma que botou minha música para andar, de fato — admite Douglas, que por conta da fama com o Metá Metá acabou sendo convidado a oferecer “Maria de Vila Matilde” para Elza Soares. — Quando você coloca uma música com uma figura que tem esse alcance, a obra passa a ser do intérprete. É como “O bêbado e a equilibrista” com a Elis Regina. A música é um divisor de águas para mim mais porque agora eu me apresento e tenho essa história para contar.

O Metá também o levaria a um dos seus grandes ídolos, Aldir Blanc, “aquela figura que fez eu me entender com brasileiro, como um garoto da periferia”. O caminho foi “Sozinho”, cujo verso “sozinho minha trilha é Blanc” levou um conhecido seu do Rio, Edu Goldenberg, a fazer a ponte com Aldir. Acanhado, Douglas demorou dois anos para mandar uma gravação de violão para o mestre. E recebeu a letra no último dia de gravação de seu álbum de 2019, “Escumalha”.

— A gente tinha parado para comer uma pizza, antes de fechar o disco, quando chegou o WhatsApp do Aldir. Aí falei: “Gente, tem mais uma para fazer...” — recorda-se.

“Valhacouto” era uma letra que juntava Alemanha nazista, ascensão da extrema direita no Brasil com Jair Bolsonaro e o massacre promovido, poucos dias antes, por uma dupla numa escola em Suzano (SP).

— O Aldir ficou travado umas duas semanas por causa daquilo ali, um cara que já tinha passado por tudo que passou, que brigou com a ditadura, vendo acontecer de novo. Tanto que ele pediu que, quando acabasse a música, eu fizesse a pergunta: “Mas será que acabou mesmo?”

De lá para cá, Douglas Germano compôs, com o saxofonista João Poleto, “Um chorinho pra Wandeca”, que Wanderléa, a Ternurinha da Jovem Guarda, lançou ano passado num álbum só de choros. E, logo após o show no Rio, ele começa a gravar “Zelite” (sim, de “as elites”), disco “com uma parceirada carioca grande”, gestada durante a pandemia. Na seleção, estão composições com Luiz Antonio Simas (“Tudo é samba”, “Xaxará”) e Alfredo Del Penho (“Ramo”).

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