Era uma vez uma banda que definia o heavy metal. Vindo da região industrial da Inglaterra batizada Black Country, arrasada pela Segunda Guerra Mundial, o quinteto tinha como assinatura um estridente cantor louro de cabelos curtos (na contramão da cartilha fashion do gênero) e uma dupla de guitarristas coesa e pesadíssima.
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Lá se vão 55 anos desde que se formou o embrião do Judas Priest, que acaba de lançar o disco “Invincible shield”, seu 19º, meio século depois da estreia, com “Rocka Rolla”. Os soldados do Império Britânico do Metal estão todos lá? Mais ou menos.
O cantor Rob Halford — primeiro (e possivelmente único) músico do primeiro escalão do metal a se assumir gay até hoje, depois de décadas de conflito interno — esteve fora da banda por uma década, mas já retomou o microfone desde 2005, em ótima forma. A dupla infernal de guitarristas anda desfalcada: K.K. Downing saiu da banda em 2011, deixando Glenn Tipton no comando. Ele padece do Mal de Parkinson desde 2018, o que limita sua participação nas gravações e, principalmente, nos shows. Completam o time o baixista fundador Ian Hill e o baterista Scott Travis, um americano infiltrado na tropa há mais de 30 anos.
— Estamos ensaiando para ir para a estrada — começa Hill, 73 anos, em conversa por vídeo de sua casa em Staffordshire (Londres é muito posh, ou metido a besta, afinal). — Acho que gravamos um disco com a assinatura do Priest.
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Mas sem as guitarras originais?
— Sim, é um processo gradual — diz ele. — Glenn se envolveu muito no processo de composição e gravação do disco, ao longo dos últimos dois ou três anos. Ele esteve no estúdio o tempo todo, nem sempre tocando, mas também dando suas ideias e opiniões.
Nos lugares dos dois guitarristas estão Richie Faulkner e Andy Sneap, que também faz as vezes de produtor.
— Richie está conosco desde a saída de Ken (K.K.), há 12 anos, é parte da família e do som do Priest — classifica o baixista. — Andy veio produzir nosso disco “Firepower”, de 2018, quando Glenn teve o Mal de Parkinson diagnosticado. Ele conhecia todo o nosso repertório. Foi a escolha natural.
‘A doença é o que é’
Ele lembra que o velho companheiro Glenn ainda aparece em shows eventuais.
— A doença é o que é — diz, com os pés no chão típicos da Black Country britânica. — Ele está bem na medida do possível, sob os cuidados dos melhores médicos, mas não tem força para tocar por períodos mais longos. Quando está bem, viaja conosco e participa do bis, com três músicas. Peço aos fãs que não comprem ingressos na intenção de vê-lo, porque ele pode aparecer ou não.
Hill também tem uma relação especial com o baterista Scott Travis e com o astro da banda, seu ex-cunhado Rob Halford.
— Scott entrou na banda em 1989, está há uma vida inteira conosco, e é um baterista tremendo, apesar de americano — brinca. — E Rob, para mim, até hoje é aquele garoto que conheci em Wallsall, irmão da minha namorada da época, Sue. É apenas Robbie.
Hoje exibindo uma careca lustrosa e uma vasta barba branca, Halford, de 72 anos, é possivelmente o rosto mais conhecido do Planeta Heavy Metal.
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“Estamos aqui para espalhar o Evangelho do Metal”, costuma dizer ele, com a voz suave, no início dos shows, depois do tradicional “The Priest is back!”.
Lançada em plena pandemia, em 2021, a autobiografia do cantor, “Confess” (editada pela Belas Letras no Brasil) é um dos relatos mais completos já feitos da vida no mundo do rock pesado, da infância em meio à fumaça até o estrelato, a grana, o álcool, as drogas e a luta de mais de 20 anos contra a própria homofobia. Tudo com muita autozoação, a começar pela própria origem interiorana.
— Como Rob diz no livro, não seria possível fazermos qualquer coisa que não fosse heavy metal — analisa. — Eu morava no campo, e, mesmo assim, da minha janela, tudo o que se via eram indústrias pesadas e minas de carvão. Como poderíamos trabalhar com música pop e cantar sobre assuntos legais?
Halford mora entre Wallsall, onde nasceu, Phoenix e San Diego, nos Estados Unidos, com o marido, Thomas.
— Ele está chegando para os ensaios — diz Hill, que lembra que a homossexualidade do cantor sempre foi conhecida e nunca foi debatida pela banda. — Vamos nos reunir aqui na Inglaterra e logo partimos para o primeiro show da turnê, em Glasgow, na Escócia.
Frequentadores do Brasil desde o Rock in Rio de 1991, Rob Halford, o Judas Priest e sua moto Harley-Davidson (com a qual ele entra no palco) só devem pintar por aqui em 2025.
— Peço um pouco de paciência — desculpa-se Hill. — Temos uma agenda lotada de shows pela Europa, depois América do Norte, voltamos para os festivais do meio do ano, depois mais América e Japão. Mas apareceremos por aí em algum momento. Vocês são tão loucos quanto nós, é uma combinação perfeita.
Houve um momento em que o Judas Priest saiu em uma turnê chamada “Epitaph” (“Epitáfio”), inicialmente com a intenção de se aposentar. Mas o plano fracassou.
— No meio dos shows já víamos que queríamos continuar. É o que gostamos de fazer, até hoje, e por isso ainda estamos aí — resume o baixista. — Estamos muito felizes com “Invincible shield”, com músicas como “Trial by fire”, “Panick attack” e “Giants in the sky”, e animados para a turnê. Gostamos muito de tocar ao vivo, e acho que apresentamos bom entretenimento. O que cansa são as viagens.
Ele, claro, diz que não teria imaginado, meio século atrás, que estaria fazendo heavy metal pelo mundo depois dos 70 anos.
— Quando éramos jovens, era com essa idade que as pessoas morriam.