Allan da Rosa e Eduardo Sterzi divergem em mesa sobre a Semana de Arte Moderna de 1922 na Flip

Professor de História da África e do Brasil critica olhar de Mário de Andrade sobre rituais religiosos de pessoas pretas e escritor ressalta a importância do autor para o país

Por Maria Fortuna — Paraty, RJ


Allan da Rosa e Eduardo Sterzi Hermes de Paula

A mesa "Ainda longos combates" inaugurou a programação da Flip nesta quinta-feira (25). Na Tenda dos Atores, o professor de História da África e do Brasil Allan da Rosa e o escritor, crítico literário e professor de Teoria Literária na Unicamp Eduardo Sterzi debateram o centenário da Semana de Arte Moderna, com mediação da professora e pesquisadora Eneida Leal Cunha.

Allan de Rosa — Foto: Hermes de Paula

Um dos curadores da Flip, Pedro Meira Monteiro abriu os trabalhos citando o craque Richarlison, autor dos dois gols da vitória do Brasil sob a Sérvia, na estreia da seleção na Copa do Mundo, na tarde de ontem (24).

- "Por que você se posiciona? A pergunta deveria ser 'Por quem você se posiciona'". No espírito da fala de Richarlison, convertendo a resposta em pergunta, chamo aqui os debatedores da mesa.

E as reflexões que aconteceram por ali materializaram a fala do craque da seleção, com os dois debatedores apresentando pontos de vista bem diferentes e totalmente relacionados às suas origens, oportunidades e perspectivas: Allan, nascido em Americanópolis, São Paulo, negro, ativista e um dos organizadores da Semana de Arte Moderna da Periferia de São Paulo; Eduardo, de Porto Alegre, curador de exposição sobre a Semana de Arte Moderna de 1922, e branco.

A diferença de olhares fez o clima esquentar. Após os dois debaterem sobre as influências da Semana de Arte Moderna de 1922 na realidade brasileira hoje e também sobre a urgência de um olhar crítico sobre aquele acontecimento, Eneida citou o poeta Mário de Andrade, fundador do Modernismo, figura central e principal articulador da Semana de 22. Ela lembrou as observações que Mário escreveu em 1922 após visitar rituais religiosos de pessoas pretas e destacar o que considerou "bizarria": "Parecia que eu estava na escravidão". Aí...

Eduardo Sterzi — Foto: Hermes de Paula

- Isso é a cara dos playboys da Vila Madalena que vão no baile funk, com todo respeito ao Mário - criticou Allan. - Fico pensando é nos dilemas daquelas pessoas de quem ele fala. Isso é que me interessa e não os de dinheiro e prazer no bolso. E, sim, quem tinha saído do Nordeste naquela época e estava no centro de São Paulo, procurando emprego no clima "vou carregar caixa e jogar meu futebol pra segurara saúde mental" - observou Alan, criticando ainda o apagamento de pessoas pretas que a Semana teria realizado.

Quando Eduardo ganhou a palavra, tratou de rebater:

- Acho que não devemos falar do Mário assim. É um autor fundamental para o Brasil. Claro que é preciso ler de forma crítica, mas o que me interessa é o que há de potência nele.

Allan, então, fez a tréplica:

- Mexeu ali, mexeu num vespeiro (risos). Aprecio Mário, ele é fundamental. Não preciso defendê-lo, porque ele está sendo defendido há 100 anos - afirmou. - A gente (os negros) sempre ouve que é agressivo demais. As pessoas que nos chamavam de agressivos, hoje, estão publicando livros decoloniais. E não se trata de chutar Mário, mas de colocar no jogo. Joga de volante? Atacante? Pode ficar na reserva um pouquinho.... Mas, salve, Mário e toda essa turma.

Na hora de encerrar a mesa, Eneida contou que, no meio intelectual, sempre que há discordância, a praxe é realizar um gesto de conciliação.

- Mas eu não gostaria de fazer esse gesto - disse ela. - Temos que aprender a lidar com a divergência. Não faz sentido falar em verdade. O sentido é qual o lugar que vamos dar aos acontecimentos. Eles não são nossos, mas problemas com os quais temos que lidar. A Semana de Arte Moderna nos levou a um lugar de imaginação aos quais estamos ligados e segregados.

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