Conheça a obra retirada do Palácio Planalto por Bolsonaro que voltará ao Salão Nobre do edifício

Dos anos 1960, 'Orixás', de Djanira, que mostra divindades de religiões de matriz africana, acabou substituída por uma réplica de outra obra da artista paulista

Por Ricardo Ferreira, O Globo — Rio de Janeiro


'Orixás', acrílica sobre tela de Djanira Reprodução

Em dezembro de 2019, quase um ano após o início de seu mandato, o então presidente Jair Bolsonaro tratou de fazer algumas mudanças no Palácio do Planalto, edifício que abriga o gabinete da presidência do Brasil. Uma delas chamou atenção. A obra "Orixás", da pintora Djanira (1914-1979), foi retirada do lugar de destaque que ocupava no Salão Nobre do edifício e mandada para a reserva técnica do palácio. No mesmo lugar, foi colocada uma réplica da tela "Pescadores" (1958), também de Djanira, que ficava no gabinete presidencial. À época, a retirada de "Orixás" do Salão Nobre do Palácio do Planalto foi considerada intolerância religiosa por parte do governo, que não explicou o motivo da mudança.

Durante a cerimônia de posse de Margareth Menezes como Ministra da Cultura, nesta segunda-feira (2), a primeira-dama Janja Silva sinalizou que "Orixás" voltará ao local onde permaneceu por anos antes de ser removida pela equipe de Bolsonaro.

Réplica da obra 'Pescadores', de 1958, também de Djanira, que substituiu 'Orixás' no Salão Nobre do Palácio do Planalto — Foto: Jorge William / Agência O Globo

Dos anos 1960, com 3,61 metros de largura por 1,12 metro de altura, a acrílica sobre tela "Orixás" apresenta três divindades de religiões de matriz africana — Iansã, Oxum e Nanã —, retratadas ao lado de duas filhas de santo. O trabalho se assemelha a outras duas pinturas da artista paulista: "Candomblé", de 1961, que pertence a um colecionador particular, e "Três orixás", de 1966, que integra a coleção da Pinacoteca de São Paulo desde 1969. Estas duas últimas, aliás, fizeram parte da exposição "Djanira: a memória do seu povo", que ficou em cartaz na Casa Roberto Marinho, no Cosme Velho, zona Sul do Rio, entre junho e outubro de 2019. Isabella Rjeille, que assinou a curadoria da mostra ao lado de Rodrigo Moura, lembra do caráter social do trabalho de Djanira e comemora o retorno de "Orixás" ao Palácio do Planalto.

— Djanira encarava a pintura como uma forma de compromisso social, como ela mesma dizia: 'o pouco que sou devo ao povo, não abandono minhas raízes populares como mulher e como artista'. Acredito que o retorno desta obra para o Palácio do Planalto é um marco histórico não apenas pelo que ela representa para nossa cultura, mas também por respeitar o compromisso histórico que Djanira assumiu com a sua produção — diz Rjeille.

Ao assegurar que "Orixás" vai voltar ao lugar de destaque no Salão Nobre, Janja também disse que a obra foi avariada nos últimos anos. Antes de repousar na parede do palácio, no entanto, a pintura de Djanira ficará ao alcance do público na exposição "Brasil futuro: as formas da democracia", em cartaz desde domingo (1º) no Museu Nacional da República, em Brasília. Com curadoria de Lilia Schwarcz, Paulo Vieira, Márcio Tavares e Rogério Carvalho, a mostra, que celebra a posse do presidente Luiz Inácio Lula da SIlva, tem 180 obras de diversos artistas brasileiros como Denilson Baniwa, Adriana Varejão, Jaider Esbell, José Damasceno e Rosana Paulino.

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