O que a reconstrução do Museu Nacional pode ensinar a Brasília

Processos de restauro em ambos os endereços se assemelham e se diferenciam em alguns aspectos; recuperação na capital federal acontece de maneira mais rápida

Por Gustavo Cunha — Rio de Janeiro


O Museu Nacional (à esquerda) e o Supremo Tribunal Federal, atacado por terroristas Agência O Globo e AFP

Janela. Essa é uma das palavras utilizadas por arquitetos e restauradores para se referir a marcas — físicas e temporais — causadas por acidentes em edificações históricas. Parte dos profissionais responsáveis pela reconstrução do interior do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, defende que sejam preservados os resquícios do incêndio que consumiu, em 2018, 85% dos 20 milhões de itens de seu acervo. Outro grupo, no entanto, acredita que as tais "janelas" devam ser fechadas, para que o edifício renasça à imagem e semelhança de seu passado.

A questão também se apresenta no processo de reparação das instalações do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) afetadas por atos golpistas promovidos por bolsonaristas, em Brasília, no último domingo (8). Especialistas ressaltam a importância de "preservar a História acumulada nesses prédios que carregam a barbaridade e a loucura que se acometeram sobre eles", como relatou ao GLOBO Luiz Fernando de Almeida, presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) entre 2006 e 2012 e membro do Comitê de Patrimônio Mundial da Unesco de 2008 a 2011. A opinião geral da sociedade, porém, como os próprios profissionais apontam, é que os momentos traumáticos sejam apagados.

— No Japão, há linhas de restauro com reconstrução de lugares exatamente como eles eram. Esse não é o caminho que a gente costuma seguir no Brasil. Por aqui, a gente tem o pensamento do respeito à passagem do tempo e de como as pessoas se apropriam dos lugares — explica Juliana Sales, arquiteta entre a equipe de profissionais dedicados à restauração da fachada do Museu Nacional e também das esquadrias do STF. — No caso do Museu Nacional, não adianta sustentar a ideia de querer reconstruí-lo, porque o que era o Paço Imperial de São Cristóvão ali dentro, com os revestimentos e o forro todo ornado, não existe mais. Se for tentar fazer de novo, não será mais como era onde o imperador morou. Fazer uma mimetização pode resultar num "falso histórico", como dizemos.

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Mas, afinal, o que há reconstrução do Museu Nacional pode ensinar à reconstrução e ao restauro do patrimônio danificado pelos golpistas em Brasília?

O restauro das instalações atacadas por golpistas em Brasília deve acontecer de maneira muito mais rápida do que a reconstrução do Museu Nacional. Isso porque o projeto dos edifícios da capital federal é mais recente, com plantas e modelos de objetos e mobílias preservados. Os processos de restauro se assemelham e se diferenciam em alguns aspectos:

  • O nível de perda total no Museu Nacional foi de 85% do acervo e praticamente 100% da estrutura interna. Especialistas relatam que, com o fogo, não sobrou nenhuma laje do edifício, tampouco nenhuma parede interna; em Brasília, obras artísticas, mobiliário histórico e peças raras — com um relógio doado pela corte de Luís XIV à coroa portuguesa — foram totalmente depredados. A estrutura dos edifícios, porém, está preservada;
  • Tempo, tempo, tempo: a recuperação total das instalações em Brasília levará "alguns anos", como afirmam autoridades. Isso porque a restituição de peças únicas exige pesquisa, a partir de desenhos preservados ou fotografias, e estudo dos materiais mais adequados para a reconstituição dos objetos e espaços;
  • No Museu Nacional, a maior parte do mobiliário foi totalmente perdida — e não poderá ser recuperada por falta de modelos à disposição para nortear o restauro. Em Brasília, o número de perdas totais é menor, já que há menos peças antigas (do período colonial e imperial, por exemplo): dois móveis em madeira datados da primeira metade do século XIX, e que ficavam na entrada da sala da presidência do Senado, foram encontrados "em migalhas", como lamenta a museóloga Maria Cristina Monteiro. "São móveis muito antigos, e que não possuem modelo hoje. Por isso, não conseguimos recuperá-los", contou a especialista.
  • O novo Museu Nacional passará a contar com um sistema de segurança, prevenção e combate a incêndios, algo que estava precarizado até a tragédia acontecer. Em Brasília, o sistema de segurança segue atualizado. Como o conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade é tombado, a colocação de grades ou qualquer tipo de barreira em edifícios que são patrimônios é impossibilitada.

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