Entenda como Cleonice Berardinelli introduziu a obra de Fernando Pessoa no Brasil

Pesquisadora carioca, morta na terça-feira (31) aos 106 anos, escreveu a primeira tese sobre o poeta no país

Por Bolívar Torres — Rio de Janeiro


Cleonice Berardinelli, em 2009, recebendo a notícia de sua eleição para a Academia Brasileira de Letras Fernando Quevedo

Sem Cleonice Berardinelli a história de Fernando Pessoa no Brasil seria muito diferente. Morta nesta terça-feira (1), aos 106 anos, a pesquisadora carioca foi a primeira a defender uma tese sobre o poeta português no país - e a segunda no mundo. O ano era 1958, Pessoa tinha morrido há pouco mais de 20 anos, e sua fama póstuma ainda estava longe de ser consolidada.

Por aqui, apenas Cecília Meireles havia se debruçado sobre o autor, tendo publicado alguns de seus poemas em uma antologia da década de 1940. Mesmo fora do Brasil, as edições de sua obra engatinhavam. O português havia deixado apenas um livro em vida e milhares de documentos com letra indecifrável em uma arca. Os estudiosos ainda tentavam montar o quebra-cabeça Pessoa, que tinha - e ainda tem - infinitas formas possíveis.

Mesmo após Fernando Pessoa se tornar o poeta português mais lido no mundo, suas edições geravam diversas controvérsias. Assim como as edições críticas, que só começaram a surgir no final dos anos 1980. Em 1990, Cleonice foi a primeira brasileira a publicar uma edição crítica de Pessoa, os poemas de seu heterônimo Álvaro de Campos. Foi fundamental na complexa pesquisa genética dos manuscritos do autor, fazendo diversas correções na edição dos anos 1950 da Ática.

— Sua interpretação dos manuscritos de Pessoa gerou uma querela intelectual com a contemporânea Teresa Rita Lopes, que também teve acesso aos originais. Nos anos 1990, ambas publicaram uma série de artigos na imprensa portuguesa, uma criticando a edição da outra — lembra Rodrigo Xavier, aluno de Berardinelli na PUC-Rio e hoje professor associado da UFRJ.

Além de Pessoa, Berardinelli se debruçou em outros grandes autores portugueses, como Camões, Gil Vicente e Eça de Queiroz. Professora convidada pelas universidades da Califórnia (1985) e de Lisboa (1987 e 1989), tornou-se ela mesma um “hub” internacional da literatura portuguesa, formando especialistas no assunto lá fora.

— Ela era a grande dama dos estudos de literatura portuguesa — define Gilda Santos, diretora do centro de estudos do Real Gabinete Português de Leitura e amiga de Berardinelli. — Conseguiu congregar em torno dela um grupo de professores de literatura portuguesa que hoje estão espalhados internacionalmente.

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