Portela: livro 'Um defeito de cor', que inspirou enredo, foi tema de curso com a autora na comunidade

Romance de 950 páginas escrito por Ana Maria Gonçalves continua entre os mais vendidos da plataforma


Desfile da Portela inspirado no romance 'Um defeito de cor' Alexandre Cassiano / Agência Globo

Ponto de partida do enredo “Um defeito de cor” levado pela Portela na Avenida este ano e que a consagrou com o Estandarte de Ouro, o romance homônimo de Ana Maria Gonçalves vive um verdadeiro amor de carnaval com os leitores. Lançado em 2006, o livro alcançou a primeira posição da lista de mais vendidos da Amazon, dezoito anos após a sua publicação.

Vencedor Prêmio Casa de las Américas e referência sobre temas relacionados à ancestralidade africana e os efeitos da escravidão no Brasil, "Um defeito de cor" já está indo para a sua trigésima edição. Foram 100 mil cópias desde o lançamento, mas o número vai aumentar significativamente com o carnaval. A edição mais antiga do romance chegou a esgotar duas vezes entre o desfile, na noite da segunda-feira (12), e a manhã desta terça-feira (13). O título sempre foi um sucesso de crítica e público, mas o desfile da Portela fez o épico de quase mil páginas furar a bolha e ser apresentado a um público mais amplo.

Lista de livros mais vendidos no site da Amazon — Foto: Reprodução

Pautado em intensa pesquisa documental, o romance conta jornada de Kehinde, mulher negra que, aos oito anos, é sequestrada no Reino do Daomé, atual Benin, e trazida para ser escravizada na Ilha de Itaparica, na Bahia. Ela repassa as desventuras de sua vida de escrava até a sua alforria. A personagem foi inspirada em Luísa Mahin, que teria sido mãe do poeta Luís Gama e participado da célebre Revolta dos Malês, movimento liderado por escravizados muçulmanos a favor da Abolição.

Carnaval 2024: Veja fotos do desfile da Portela

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Portela leva para Avenida a força da mulher negra com o enredo "Um defeito de cor"

- Desde o lançamento, “Um defeito de cor” tem vindo numa crescente, acompanhando uma mobilização maior do Brasil em torno das questões raciais, em busca da história não oficial de nosso país colonizado - lembra Lívia Vianna, editora-executiva do Grupo Editorial Record, que publica o livro no Brasil. - Ao longo do ano de 2023 foram muitas conversas com a Portela, Ana Maria Gonçalves se aproximou muito da Escola. Tivemos um evento de autógrafos na Quadra onde o livro esgotou.

Vianna conta que a rainha de bateria da Portela, Bianca Monteiro, lançou um curso sobre Kehinde, que contou com a participação da escritora. A comunidade da Portela como um todo abraçou o livro - e vice-versa.

- Foi muito bonito ver essa adesão de Ana Maria - lembra a editora. - Ela se tornou uma pessoa querida da Escola, muito presente, participando de oficinas e clubes de leitura.

Desfile da Portela — Foto: Alexandre Cassiano

O enredo conta a mesma história do romance, mas de um jeito um pouco diferente. Os carnavalescos André Rodrigues e Antônio Gonzaga sonham com uma carta do advogado abolicionista Luiz Gama para sua mãe, Luíza Mahim (Kheinde no livro de Ana), a partir das lições deixadas por ela.

A escola teve a participação de nomes importantes da luta pela igualdade racial, como o ministro Silvio de Almeida (Direitos Humanos) e o ator Lázaro Ramos, que encarnaram Gama. Já Kheinde apareceu em diferentes fases vividas pelas mães dos carnavalescos. O livro ajuda a entender questões históricas do país, como o racismo. No enredo, o tema também foi debatido, em especial com a enaltação à histórica porta-bandeira Vilma Nascimento, vítima de racismo no ano passado.

O desfile deu destaque a mulheres que perderam os filhos para a violência no Rio, como Marinete da Silva, mãe da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018; ou Jackeline Oliveira, mãe de Kathlen Romeu, grávida morta no Lins, em 2021.

Capa da edição especial de "Um defeito de cor", lançada em 2022 — Foto: Reprodução

Em 2022, "Um defeito de cor" ganhou uma edição especial, em novo projeto gráfico, que inclui obras da renomada artista plástica Rosana Paulino. A edição apresenta ainda o conto afrofuturista inédito “Ancestars”, a primeira narrativa de Ana Maria Gonçalves publicada desde o lançamento de "Um defeito de cor."

- Interessantíssimo de ver como manifestações culturais tão diversas como a escola de samba e a literatura se encontram no asfalto e tragam essa explosão de cores, de histórias e esse enredo tão rico - diz Sonia Jardim, presidente do Grupo Editorial Record. - Só na Marquês de Sapucaí para acontecer um fenômeno desses.

Ainda em 2022, o livro foi reinterpretado em forma de exposição, no Museu de Arte do Rio (MAR). A mostra reuniu 400 obras de mais de cem artistas, de vários estados brasileiros e do continente africano, entre pinturas, desenhos, esculturas, vídeos e instalações.

'Fluxo e refluxo (barco de açúcar)', de Tiago Sant'Ana, em cartaz na exposição 'Um defeito de cor' no Museu de Arte do Rio — Foto: Divulgação/Tiago Sant'Ana
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