Buba em 'Renascer', Gabriela Medeiros relembra solidão em processo de transição de gênero: 'Comigo mesma'

Destaque na novela das 21h, que chega ao capitulo 100 nesta quinta-feira, atriz cita semelhanças com a personagem: 'Viramos uma só. Tem muita verdade cênica em meu olhar'

Por — Rio de Janeiro


A atriz Gabriela Medeiros, em cena da novela 'Renascer', em que interpreta a personagem Buba Reprodução/TV Globo

O nome dela é Gabriela Medeiros. Mas poderia ser Buba — e é, até certo ponto. Ou não. Difícil traçar a fronteira entre ficção e realidade, ou entre personagem e intérprete, como avalia Gabriela, artista de 22 anos que assume o papel de Buba na novela “Renascer”. Uma porção considerável da vida da atriz está toda lá no folhetim exibido pela TV Globo. A começar pelo fato de que ela, assim como Buba, é uma mulher transexual. E, claro, não apenas isso.

— Eu e Buba viramos uma só. Tem muita verdade cênica em meu olhar. Ela é parte de mim, parte da minha história — considera Gabriela.

Não haveria como ser diferente, sobretudo em um país marcado pelo conservadorismo. O capítulo 100 da trama — que irá ao ar nesta quinta-feira (16) à noite, véspera do Dia Mundial contra a Homofobia, Bifobia e Transfobia — descortina um bom exemplo do que a artista quer dizer.

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Em uma viagem para a pequena cidade onde cresceu, Buba terá um doloroso reencontro com os pais (interpretados por Malu Galli e Guilherme Fontes). A jovem psicóloga descobrirá que eles inventaram, para pessoas próximas, que ela havia morrido, a fim de esconder a mudança de gênero da filha. Traumas decorrentes de rejeição e violência, uma vivência comum à grande parcela da população trans no Brasil, serão trazidos à tona. A atriz conta que “deixou, literalmente, um pedaço de si nessa sequência”, que ganha um importante desenvolvimento ao longo das próximas semanas.

Asas do desejo

Tal como Buba, Gabriela — também uma mulher trans que quase se formou em psicologia, mas abandonou o curso para imergir no universo artístico — viveu o processo de transição de gênero, há quatro anos, sem qualquer apoio da família. A atriz é sucinta ao tocar no assunto. E não cita os pais ao ser questionada sobre isso.

— O processo (de transição de gênero) foi bastante interno comigo mesma. Busquei ajuda psicológica durante essa fase e quis me conectar comigo mesma, ir de encontro ao meu âmago. Tive um amigo muito importante, Gabriel, que foi o meu alicerce, que me acolheu... Foi ele que esteve ao meu lado junto a algumas amigas — rememora a paulistana.

A atriz Gabriela Medeiros — Foto: Igor Reis/Divulgação

A relação com a arte, sobretudo a pintura — e posteriormente o teatro, na adolescência —, foi elemento preponderante ao longo dessa jornada solitária. Gabriela lembra que, da infância à puberdade, era perseguida por uma tremenda sensação de desconforto. Olhava-se no espelho e não se reconhecia no corpo refletido. Detinha-se então no seguinte pensamento: “Quando crescer, vou me tornar uma borboleta”. Nessa época, repetia a frase, mentalmente, como um mantra. Hoje, ela entende que a fala não era só discurso ingênuo de criança.

— Sinto que as minhas asas de borboleta ainda estão crescendo. A vida se trata de uma grandiosa metamorfose. Sou uma lagarta desabrochando nesse mundo — ela divaga, detendo-se no passado. —Fui uma criança bem solitária no meu mundinho particular. Passava horas desenhando e pintando. Minha avó me incentivava, então comprava lápis, canetinhas e giz. E a minha outra vovó, materna, me estimulava a pintar pano de prato com ela. É a arte que me cura de todos os meus processos. Atuar é uma profunda catarse do eu.

O trabalho de destaque no remake da novela de Benedito Ruy Barbosa, originalmente exibida em 1993, foi conquistado após a realização de testes na emissora. Até então, Gabriela havia participado apenas de uma produção na televisão, a série “Vicky e a musa” (2023), do Globoplay.

‘Discussão pertinente’

Autor de “Renascer”, Bruno Luperi deposita na trama de Buba algumas das maiores novidades da história, em comparação ao que foi ao ar há três décadas. O papel defendido, em 1993, pela atriz Maria Luisa Mendonça era uma pessoa intersexual (à época, utilizava-se o termo “hermafrodita”, que caiu em desuso). A narrativa que se desenrolará a partir desta quinta-feira (16), portanto, é inteiramente “inédita”.

— Toda cena tem que dar um passo adiante nessa temática — frisa Luperi. — É compromisso de todos os capítulos entreter, informar e apresentar discussões pertinentes em escala nacional. “Renascer” está inteiramente costurada pela linhas do tempo presente. Acredito que a novela, no Brasil, se firma como instrumento de transformação e união do país, e que tem, por natureza, essa missão de desatar tabus.

Buba (Gabriela Medeiros) e José Inocêncio (Marcos Palmeira) — Foto: Reprodução / Globo

Gabriela concorda com o autor. E celebra o fato de receber várias mensagens positivas, por meio das redes sociais, de gente que está lidando com as mesmas questões da personagem (e da atriz) — e que agora se vê espelhado em ambas as figuras. Conta que é abordada, nas ruas, por pessoas trans, que choram ao encontrá-la.

A fama repentina, porém, também traz dissabores. Ao longo da novela, Gabriela já foi alvo de críticas, muitas delas agressivas, por sua performance na TV. Ela se defende. E frisa que já não fica mais tão ligada no que é dito nas redes. “Melhor assim”, conclui.

— O público não compreendeu muito de cara o tom que eu estava dando para a personagem. Buba é para dentro mesmo. Ela é uma rosa cheia de espinhos que foi altamente traumatizada pelo histórico familiar, além de se esbarrar numa relação abusiva que a anula completamente. Mas ela irá desabrochar cada vez mais até o fim da novela — adianta a artista.

Os eventuais reveses não amolecem uma certeza que a atriz mantém rígida dentro de si: Gabriela quer — mais e mais — aprimorar o ofício artístico. E não tira isso de vista.

— Tenho um sonho que pode parecer clichê, mas quero muito fazer alguma personagem de época dos anos 1940, 50 ou 60 — diz a artista. — E quero interpretar uma personagem em que a história não gire em torno dela ser trans, e sim de ser uma mulher, seja essa mulher como for, com suas questões, anseios, medos e inseguranças.

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