Martinho da Vila, 86 anos e álbum novo com L7nnon e Preta Gil: ‘O rap é parente do samba’

Cantor fala do novo momento da carreira, que inclui composições inéditas e o disco ‘Violões e cavaquinhos’

Por — Rio de Janeiro


O cantor Martinho da Vila Divulgação/Leo Aversa

Há uns 55 anos, pelo menos, Martinho da Vila vem lançando praticamente um álbum de canções (em LP ou CD) por ano. Em 2024, não poderia ser diferente: há alguns dias chegou ao streaming “Violões e cavaquinhos”, disco com quatro sambas inéditos e oito regravações, todos no enxuto formato acústico sugerido pelo título, com algumas participações especiais estreladas.

— Eu sempre falo que vou passar um tempo sem gravar, mas depois vem uma ideia e eu embarco — admite o cantor e compositor de 86 anos. — Agora a Sony, a minha gravadora, falou: “Martinho, faz um disco aí!” E eu falei: “Junqueiro (ele se refere ao presidente de Sony, Paulo Junqueiro), agora não é mais época de fazer disco, a gente faz uma música só e bota na internet, não tem mais o disco físico.” E ele: “Não, grava um disco inteiro, que a gente vai fazer capa e lançar.” Aí não teve jeito, gravei.

Entre as inéditas, estão “Coisa de preto” (parceria de Martinho com Chico César e participação do coautor), “Amante fiel” (samba-enredo composto por ele para concorrer na disputa na Vila Isabel no carnaval de 2023), “Mulher sorriso” (feita a partir de uma letra do acadêmico Arnaldo Niskier) e “Sempre bela”, que evoca o raiar do dia — um espetáculo que ele não costuma perder, da janela de seu apartamento na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio

— Eu troco a noite pelo dia. De noite é silêncio, telefone não toca, eu posso falar sozinho, cantar se estiver fazendo uma música... Eu normalmente durmo já com o dia amanhecendo, gosto de ver o dia amanhecer — conta ele, com alguma saudade não do nascer do sol, mas dos dias (e noites) de Vila Isabel, onde morava até alguns anos atrás. — Eu gostava mesmo é de lá, onde todo mundo se conhece, e para quebrar um galho é fácil. Se você tiver um amigo que está morando em Vila Isabel, você pode não saber exatamente onde é que ele mora, mas você chega lá. Vai num bar, pergunta para alguém, diz como ele é e você acha o cara.

Entre as regravações de “Violões e cavaquinhos”, não por coincidência uma boa parte vem de “Canta, canta, minha gente”, LP que faz 50 anos este ano, um divisor de águas na sua carreira (foi a partir dele que Martinho se tornou um grande vendedor de discos) e do qual tem feito shows comemorativos vez em quando. São originalmente desse disco de 1974 a faixa-título, “Disritmia”, “Patrão, prenda seu gado” (de Donga, João da Baiana e Pixinguinha), “Calango vascaíno” e “Visgo de jaca”.

— Pensei em fazer nesse novo disco umas releituras de músicas que eu já tinha gravado com muitos instrumentos, só que agora com violão, cavaquinhos e uma percussãozinha miúda que eu mesmo toquei — explica Martinho. — O meu filho Antônio, junto com o Celso (Filho, produtor) falaram: “Martinho, nessas músicas, além do cavaquinho e violão, a gente podia fazer umas outras coisas, botar umas participações... no ‘Canta, canta, minha gente’ dá tranquilo para botar um rap.”

Antônio e Celso sugeriram L7nnon, estrela no trap carioca, que Martinho não conhecia, mas de quem passou a gostar depois de ouvir.

— O L7 me falou: “Martinho, o que você quer que eu faça?”. E eu: “Faz o que você quiser!” Ele mandou ver! — elogia o sambista, que em 2021 gravou com Djonga “Era de Aquarius”. — O rap é parente do samba, é tudo música negra, tudo vem lá da África, dos tambores antigos. O que Moreira da Silva cantava era praticamente um rap.

Capa do álbum ‘Violões e cavaquinhos’, de Martinho da Vila — Foto: Reprodução

O time instrumental do disco, diz Martinho, não foi difícil de escolher: era só juntar os craques com quem ele já tinha tocado. Rafael dos Anjos, Carlinhos 7 Cordas, Gabriel de Aquino, Cláudio Jorge e Wellington Monteiro nos violões. Já, nos cavaquinhos, Pretinho da Serrinha, Fernando Brandão, Alaan Monteiro, Alceu Maia e Wanderson Martins. Para “Disritmia”, samba muitas vezes visto como machista, ele fez questão de só ter mulheres: Ana Costa (violão), Nilze Carvalho (cavaquinho) e Preta Gil (vocais).

— A Ana e a Nilze tocam muito! E aí eu pensei na Preta Gil, mas ela estava doentinha e disse: “Pô, tá complicado agora...” e eu: “não, eu espero, você não vai ficar a vida toda doente.” Um dia ela me ligou e disse “já dá para gravar!” E cantou divinamente.

‘Mulheres’ recitada

Composição de Toninho Geraes, “Mulheres”, outro samba que muitos enxergam sob a ótica do machismo, Martinho da Vila também resolveu fazer diferente no novo disco.

— “Mulheres” é um dos meus grandes sucessos, quando eu não boto no roteiro dos shows, no final todo mundo pede. Então eu tenho sempre que cantar. E, quando você canta uma música sempre, tem uma hora em que fica burocrático. Canto de uma maneira, canto de outra e, numa dessas vezes, resolvi recitar. Agora gravei ela assim, recitada, sem o violão, só com o cavaquinho do Alceu (Maia) — conta.

Nesse mergulho no seu próprio passado, “para manter a matéria viva”, Martinho aproveitou também para celebrar a lembrança dos que o antecederam, como Donga, Pixinguinha e João da Baiana, mestres que estiveram no alvorecer do samba, no início do século XX.

— Tive a felicidade de conhecer os três — gaba-se. — Com Donga, convivi mais. E quando gravei “Batuque na cozinha”, pensei em procurar o João, que eu não conhecia pessoalmente, para ver se ele gostava. Aí soube que o João estava no Retiro dos Artistas. Fui lá, encontrei com ele, dei o disco e ele ficou muito feliz, foi uma beleza.

‘Não quero descansar’

O sambista jura que nunca imaginou chegar aos 86 anos. Muito menos ainda fazendo shows, como o de lançamento de “Violões e cavaquinhos”, semana passada, no Beco do Rato, no Rio.

— Quando eu era jovem, uma pessoa de 60 anos era um velhinho, agora não. E, quando falam que fulano morreu com 70 anos, é porque morreu cedo — observa. — Eu pensei até em dar um tempo, já fiz muita coisa, era hora de ficar mais sossegado e tal, mas depois eu pensei: “Espera aí, carro velho, quando fica muito tempo parado, você liga e ele não sai do lugar (risos).”

É como Martinho mesmo canta (e, mais uma vez, no novo disco) em “Calango vascaíno”: “Se a morte é um descanso, eu não quero descansar”.

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