Camila Pitanga: 'Faço terapia para malhar o espírito'

Atriz conta como se aproximou mais do cinema nos últimos tempos, analisa pressão sobre a beleza da mulher e diz como busca manter a saúde mental em dia: ‘Sou bem doentinha’

Por — Rio de Janeiro


Camila Pitanga: 'Falar sobre racismo não é confortável, nunca vai ser', dia ela sobre o filme que rodou com o pai, Antonio Pitanga, que narra a Revolta dos Malês. Divulgação / Marina Zabenzi

RESUMO

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GERADO EM: 02/08/2024 - 10:40

Camila Pitanga: arte, resistência e autocuidado

Camila Pitanga mergulha no cinema com "Malês" e reflete sobre racismo e resistência. A atriz também revela sua busca pela saúde mental, fazendo terapia para fortalecer o espírito. Além disso, discute seu papel em novela e a pressão da beleza, destacando a importância de aceitar o tempo e a história em sua vida.

Camila Pitanga concorda: não é fácil assistir a “Malês”. O filme inédito dirigido por seu pai, Antonio Pitanga, narra a Revolta dos Malês, o maior levante organizado por escravizados da História do Brasil, ocorrido em 1835, em Salvador. Para contá-lo, é praticamente impossível não retratar a extrema violência sofrida por pessoas pretas naquele período. E é aí que as cenas doem.

— Falar sobre racismo não é confortável, nunca vai ser. Mas acredito na possibilidade de superação. Enfrentar esse desconforto para abrir novos espaços, pactos e conciliações — analisa ela, que está no elenco do longa, assim como o irmão, o ator Rocco Pitanga.

No entanto, o que mais chama a atenção no filme são as culturas ricas e distintas dos povos retratados. O projeto levou mais de 20 anos para se tornar realidade e estreia em 14 de novembro, mês da Consciência Negra. Em seguida, Camila embarca rumo aos Estados Unidos, aonde vai debater o filme em universidades como as de Princeton e da Pensilvânia.

— São centros que estão interessados em discutir, pensar, refletir. Outra ideia que pode ser histórica é levar “Malês” para comunidades quilombolas — diz ela. — Meu pai batalhou para realizar o sonho de contar uma história icônica, que desloca muito do que a gente sabe sobre nós. Porque sabemos sobre a escravização sempre por um viés. Nos últimos anos, finalmente, placas tectônicas se moveram em direção a uma visão crítica da História, a tal história que a história não conta.

Para Camila, esta é a principal missão do filme, produzido por Flávio Ramos Tambellini.

— Ele atende à função de contar sobre rebeldia, insubordinação, resistência e inteligência de um povo que vem para cá escravizado trazendo uma diversidade de saberes, religiões... — diz Camila. — Há de se construir o país em que a gente acredita, de se botar abaixo a opressão. Racismo é isso. E não basta um discurso maneiro para derrubar. Muitas vezes, é quebrando vidraça, dando levantes como esse.

Camila Pitanga em cena como Sabina no filme "Malês" — Foto: Divulgação / Vantoen Pereira Jr.

Rumo à telona

Testemunhar o pai orquestrar um set de filmagem aos 83 anos (ele agora está com 85) foi algo comovente para Camila:

— Parecia um menino. O mesmo que joga futebol (Pitanga é um dos mais assíduos jogadores das peladas do Politheama, time do cantor e compositor Chico Buarque). No campo, ele é mais brabo. No set, é um encantador de serpentes, com muito magnetismo e tesão pela vida.

Se a atriz traz no nome o legado que o cinema deixou em sua família (seu pai incorporou o Pitanga do personagem que encarnou no filme “Bahia de todos os santos”, de 1960), Camila pouco fez cinema. Ela pondera que pode ter sido excesso de zelo — ou por não aceitar qualquer projeto. Fato concreto é que ela está correndo atrás de mudar essa realidade.

Tanto que roda, no segundo semestre, o curta “Samba infinito”, de Leonardo Martinelli, o mesmo de “Fantasma neon” (2021), ganhador do Leopardo de Ouro do Festival de Locarno e de quatro Kikitos em Gramado. Na narrativa, que mistura retrato social, memórias históricas do Rio e uma fábula afetiva sobre perda e recomeços, Camila é uma foliona que perde o irmão mais novo no meio de um bloco de carnaval.

Em setembro, ela estará também no set encarnando a Laura do longa “Bate volta Copacabana”, de Juliana Antunes, diretora do documentário “Baronesa” (2017). A personagem da atriz é uma carioca síntese do prazer, moradora da favela do Pavão-Pavãozinho, que joga o trio de protagonistas — jovens mineiras que baixam no Rio para conhecer o mar — em uma série de aventuras e perigos. A produção, cheia de tensão sexual entre mulheres, é da Ventura, que tem foco na realização de projetos com protagonismo feminino.

O diálogo com jovens realizadores do mundo das artes tem atraído Camila. E é mais um aprendizado que colheu de “seu Pitanga”:

— Meu pai sempre fez curtas com gente que está se formando em faculdade. É uma sabedoria dele circular por todas as gerações. Oxigena a gente. Juliana ficou minha amiga e é muito mais jovem do que eu. Pensa bastante o cinema e sobre o que quer dizer. Esse filme dela fala de liberdade e amor. Tem coisa mais bonita?

'Não escondo o tempo no meu rosto'

Uma mistura de Maíra Cardi e Beyoncé. Assim Camila Pitanga define a influencer que interpretará na novela “Beleza fatal”. O folhetim está previsto para estrear em janeiro, na plataforma Max. Inspirada nas irmãs Kardashian, Lola é uma vilã mau caráter e assassina. É dona de uma clínica de estética, “papisa da beleza e da harmonização facial”, como resume sua intérprete. Com cabelão e looks produzidíssimos, a personagem já nasce com cara de hit. Pensou na icônica Bebel, de “Paraíso tropical”?

Camila Pitanga como Lola, a influencer da novela "Beleza fatal" — Foto: Divulgação

— Seria uma prima bem-sucedida da Bebel, só que mais pérfida. E tem uma afetação muito própria. É toda uma maquiagem para compor esse rosto que a gente está vendo por aí, modificado, com botox, harmonização facial. A novela fala desse culto à beleza, o quanto que isso pode ser também uma grande armadilha — analisa Camila, que precisou perder seis quilos para alcançar o biotipo macérrimo da personagem.

Estudiosa, a atriz costuma preparar pastas com referências que a inspiram no processo de composição de seus papéis. Reúne imagens, desenhos e recorre bastante a músicas nesta construção. No caso de Lola, que dialoga com o mundo contemporâneo da internet, o manancial de pesquisa estava nas redes sociais.

— Sabe essa coisa de viver uma vida de popstar mesmo e de comércio nas redes? A gente vê várias influencers que faturam com a vida pessoal, o próprio dia a dia, tomar café da manhã, só falta ir na privada... Se bobear tem, né? (risos) Tudo vira dinheiro. Já acorda performando. Tudo um pouco fake e, às vezes, é a realização que a pessoa conquistou — analisa. — Tem toda essa loucurinha dos nossos tempos....

Uma loucurinha que inclui a busca pela eterna juventude da qual Camila, pessoa física, tenta fugir.

— Gosto de ser quem eu sou e não quero performar algo além disso. Estou com 47 anos. Não escondo o tempo no meu rosto — diz. — Existe essa opressão em cima da mulher pela manutenção de um tipo de beleza e jovialidade que não é verdade, que não vai acontecer porque a gente perece. Se sairmos do escopo de um tipo de padrão, vai ver que as fissuras, os vincos, tudo isso tem beleza, é história.

Mas a atriz reconhece que não está totalmente livre dessa pressão. Ela conta como faz para trabalhar isso internamente.

— Faço terapia para poder botar minha cabeça no lugar, para malhar o espírito, para esculpir a minha alma — diz. — Sou uma negra em movimento. Me penso em relação ao tempo, a essas armadilhas em relação a estereótipos e estigmas do que é ser uma atriz latina. Não quero ficar presa nisso, mas é preciso refletir.

Outro assunto sobre o qual vem refletindo são os traços de sua personalidade “vulcânica”, tema constante das suas sessões de análise.

— É alguma coisa de uma ansiedade e centralidade, sabe? De ser um pouco destruidora e superexigente. Estou adorando abrir mão disso, poder ver as coisas acontecerem. É bem-vindo ter ambição, desejo, volúpia, mas também entender o tempo da fruição das coisas e das relações — elabora. — Sou bem doentinha, preciso resolver muita coisa nesse espaço de consciência. Teve alguns acontecimentos muito marcantes para deslocar radicalmente a vida. E é assim que a gente se move pelas coisas maravilhosas da vida e as não tão são maravilhosas assim.

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