Fed, o banco central dos EUA, eleva os juros em 0,50 ponto percentual, maior alta em mais de 20 anos

Anúncio, já esperado pelo mercado, marca o início de um fase mais dura do aperto monetário no país

Por Vitor da Costa; Agências Internacionais


Sede do Fed, o banco central americano, em Washington AFP/22-10-2021 — Foto:

WASHINGTON — Conforme esperado, o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, deu início a uma fase mais severa do seu processo de aperto monetário, nesta quarta-feira.

O banco elevou em 0,50 ponto percentual as taxas de juros, para o intervalo entre 0,75% e 1%. É o maior aumento nas taxas de juros desde 2000 e a segunda elevação consecutiva.

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Na reunião de março, a autoridade monetária já havia elevado as taxas em 0,25 ponto percentual, primeiro aumento realizado desde 2018. O presidente do Fed, Jerome Powell, descartou altas maiores nas taxas para as próximas reuniões, o que agradou investidores no mercado de ações americano.

De qualquer forma, a alta dos juros na maior economia do mundo terá reflexo na maioria dos outros países. O Brasil deve ser um dos mais afetados, com efeitos que já são sentidos na fuga de capitais estrangeiros da Bolsa de São Paulo, a B3.

Nesta quarta-feira, que é chamada pelos investidores de "superquarta", o Banco Central do Brasil também decide a elevação da taxa básica de juros (Selic). Para analistas, será difícil evitar a perda de capitais para os EUA.

Com juros mais altos, os títulos do Tesouro americano ficam mais atraentes para investidores, que reduzem o apetite por investimentos de maior risco em economias emergentes como o Brasil.

Dessa forma, a decisão do Fed é um fator contra o crescimento da economia brasileira, cujas projeções já são de um avanço de menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB).

O dólar tende a se valorizar frente a outras moedas, como o real, o que pode aumentar as pressões inflacionárias em vários países.

Preocupações com inflação e guerra

A votação no colegiado do Fed teve apoio unânime ao aumento em 0,5 ponto percentual.

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Em seu comunicado, o banco ressaltou que, embora a atividade econômica geral tenha diminuído no primeiro trimestre, os gastos das famílias e o investimento fixo das empresas permaneceram fortes.

"Os ganhos de emprego foram robustos nos últimos meses e a taxa de desemprego diminuiu substancialmente. A inflação permanece elevada, refletindo desequilíbrios de oferta e demanda relacionados à pandemia, preços mais altos de energia e pressões mais amplas sobre os preços", destacou o banco.

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O Fed também ponderou os efeitos negativos que a continuidade da guerra entre Rússia e Ucrânia e os lockdowns na China podem exercer na economia americana. Sobre a guerra, os membros do banco ainda consideram os efeitos como "altamente incertos".

"A invasão e os eventos relacionados estão criando uma pressão ascendente adicional sobre a inflação e provavelmente pesarão sobre a atividade econômica. Além disso, os bloqueios relacionados ao Covid na China provavelmente exacerbarão as interrupções na cadeia de suprimentos. O Comitê está altamente atento aos riscos inflacionários", afirmou o Fed.

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Powell afasta receio de alta mais forte em junho

O presidente do Fed, Jerome Powell, descartou altas maiores nas taxas para as próximas reuniões, como de 0,75 ponto porcentual, ao afirmar que “não é algo que o Comitê esteja considerando ativamente”. A declaração ajudou a impulsionar as ações das bolsas americanas.

Em coletiva após o anúncio, Powell destacou que havia “um senso amplo no Comitê de que aumentos adicionais de 50 pontos-base deveriam estar na mesa para as próximas reuniões”.

— A inflação está muito alta e entendemos as dificuldades que está causando e estamos nos movendo rapidamente para reduzi-la — disse Powell.

Os dirigentes do Fed destacaram que estarão preparados para ajustar a orientação da política monetária conforme apropriado, "caso surjam riscos que possam impedir a consecução dos objetivos".

Desde o ano passado, o Fed já vem sendo pressionado a adotar uma postura mais rígida em sua política monetária em uma tentativa de controlar a inflação persistente nos Estados Unidos.

O índice de preços de gastos com consumo pessoal, o indicador preferido do Fed, subiu 6,6% em março na base de comparação anual, mais que o triplo da meta do banco.

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Os formuladores de política monetária, que sinalizaram amplamente sua intenção de acelerar o ritmo dos aumentos das taxas antes do encontro desta quarta, estão tentando conter a inflação mais alta desde o início dos anos 1980.

Naquela época, o presidente Paul Volcker elevou as taxas em até 20% e arrefeceu a inflação e a economia em geral no processo.

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A expectativa do Fed, desta vez, é que a combinação de custos de empréstimos mais altos e um balanço patrimonial cada vez menor proporcione uma aterrissagem suave que evite uma recessão da economia americana enquanto reduz a inflação.

Ritmo forte, mas nem tão agressivo

Para o sócio e economista-chefe do ModalMais, Felipe Sichel, o comunicado foi em linha com as expectativas do mercado. No entanto, a sinalização de Powell durante a entrevista gerou nos investidores a percepção de que o banco não será tão agressivo quanto estava sendo precificado.

As bolsas americanas fecharam com fortes altas após as declarações. O índice Dow Jones subiu 2,81% e o S&P, 2,99%. Em Nasdaq, ocorreu alta de 3,19%.

— Não significa que vai ser um Fed ameno, mas não tão agressivo quanto estava sendo antecipado. A pergunta central é se existia a possibilidade de ir além do 0,50 ponto percentual, que já é um movimento forte. É a primeira vez desde 2006 que ele sobe os juros em reuniões subsequentes.

O economista-chefe da Kínitro, Sávio Barbosa, destaca que a curva de juros americana estava com prêmios para uma alta de 0,75 ponto percentual nas próximas reuniões, após declarações do próprio Powell sobre a inflação alta no país.

— Pegou um mercado que estava embutindo prêmios maiores e acima dessa leitura de neutro do Fed. Eles retiraram esses prêmios de 0,75 ponto percentual e sinalizou que a taxa de juros neutra, a princípio, é algo em torno de 2,5%. Isso gerou um sentimento positivo nos ativos de risco.

Para Barbosa, o anúncio desta quarta-feira serviu para dar um direcionamento ao mercado sobre os próximos passos da autoridade monetária.

— O Fed estava buscando o ritmo de ajuste e é isso que todo mundo estava tentando responder. Eles vão nesse nível de 0,50 ponto percentual até se aproximar desse nível neutro. Na hora em que chegarmos nesse patamar, vamos ter um novo debate sobre qual nível a taxa de juros nos EUA vai precisar alcançar para de fato levar a inflação para o patamar de 2% do Fed.

Para ele, o final do ciclo vai depender de fatores mais estruturais, como o ritmo da inflação e o nível do crescimento no país. Nesse sentido, as taxas podem chegar a patamares de 3% a 3,5%.

— Primeiro é o ajuste rápido para chegar perto do neutro e o quanto mais ele vai subir para controlar a inflação.

Sichel destaca que é inevitável que a alta de juros promova uma desaceleração da economia americana, principalmente, para reequilibrar oferta e demanda.

Para isso, na avaliação do economista, deve ser necessário uma taxa acima do patamar neutro ao final do ciclo, que hoje está em 2,5% em termos nominais

— Ainda que o Fed seja cauteloso na comunicação, a única forma de você atingir isso é provocando uma desaceleração da economia. Isso eleva de forma bastante razoável a possibilidade de recessão.

Vale destacar que devido ao cenário econômico global marcados por vários choques, como os lockdowns na China e a guerra, a linha entre a taxa neutra e um patamar mais restritivo fica mais turva, o que dificulta a ação dos BCs.

E o Brasil?

Para Sichel, do ModalMais, o aperto monetário mais forte deve levar a um enxugamento da liquidez global, o que prejudica mercados emergentes e que oferecem mais riscos, como é o caso do brasileiro.

— O que você espera é que o movimento de aperto monetário nos EUA acabe provocando uma realocação do risco. Essa retirada de liquidez global se faz sentir, principalmente contra economias emergentes.

Para Barbosa, o real ainda pode se proteger devido ao fato do nosso BC ter iniciado o processo de aperto monetário de forma antecipada.

— O nível de câmbio justo seria em um nível mais baixo. O carry trade da moeda brasileira ainda vai continuar muito alto – disse Barbosa, destacando que o páis ainda possui taxa de juros real positiva, ao contrário de muitos emergentes.

Redução do balanço

O banco também deu maiores detalhes sobre o enxugamento de seu balanço patrimonial, que está na casa dos US$ 9 trilhões.

O Fed começará a permitir que suas participações em títulos do Tesouro e títulos lastreados em hipotecas diminuam em junho a um ritmo mensal combinado inicial de US$ 47,5 bilhões, aumentando em três meses para US$ 95 bilhões.

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A redução inicial do balanço será de US$ 30 bilhões em títulos dos EUA por mês. Após três meses, o montante aumentará para US$ 60 bilhões por mês.

Para dívida de agências e títulos lastreados em hipotecas de agências, o limite será inicialmente fixado em US$ 17,5 bilhões por mês e, após três meses, aumentará para US$ 35 bilhões por mês.

"Ao longo do tempo, o Comitê pretende manter a carteira de títulos em montantes necessários para implementar a política monetária de forma eficiente e eficaz em seu amplo regime de reservas", destacou o banco, em seu anúncio.

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