‘Precisamos de um ‘slow content’ para desacelerar’, diz líder do festival de criatividade e conteúdo da Rio2C

Também diretor da Live Nation e conselheiro do Rock in Rio, Rafael Lazarini critica era do conteúdo instantâneo, que afeta saúde mental, e vê consumidor mais exigente


Rafael Lazzarini, CEO da Rio2C, vice presidente para América Latina da Live Nation e conselheiro do Rock in Rio Agência O Globo — Foto:

RIO - CEO e fundador do Rio2C, festival de criatividade e conteúdo inspirado no maior evento global do gênero, o americano South by Southwest, Rafael Lazarini afirma que, no pós-pandemia, o público está ávido por shows, eventos e experiências ao vivo. E está cada vez mais exigente: “A barra subiu”.

O empresário, que é também vice-presidente para a América Latina da Live Nation, líder mundial em entretenimento ao vivo, e membro do conselho de administração do Rock in Rio, faz um chamado para que as pessoas consumam com mais calma todo tipo de conteúdo, deixando a era do instantâneo para trás.

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“Assim como no passado foi preciso o slow food para preservar nossa saúde, hoje precisamos do slow content para manter nossa sanidade mental”.

Em entrevista ao GLOBO, ele detalha o lançamento de um hub para indústria criativa no Rio em parceria com a aceleradora de empresas Neo Ventures, um desdobramento do Rio2C. E fala sobre os planos da Live Nation para a arena que será construída no Anhembi, num investimento de US$ 100 milhões.

Rafael Lazzarini, CEO da Rio2C, vice presidente para América Latina do Live Nation e membro do Conselho do Rock in Rio Fabio Rossi — Foto:

O Rio2C foi realizado em abril após dois anos suspenso pela pandemia. Qual foi o balanço?

O Rio2C surgiu a partir do Rio Content Marketing, que era um mercado de conteúdo audiovisual criado em 2011. Inspirado pelo South by Southwest (SXSW, evento anual em Austin, no Texas, de criação e tecnologia), lançamos em 2018, a partir do Rio Content, o Rio2C, incluindo música e inovação.

Em 2019, o evento cresceu muito, com games, design, ciência, inovação. Em 2020, a gente comemoraria dez anos e veio a pandemia, fizemos 100% virtual. Em 2021, estávamos naquela crença de que ia poder o presencial, chegamos a ver a data, mas não foi possível. Àquela altura, o modelo de live já estava desgastado.

E aí a gente repensou e lançou uma content house. Agora, finalmente, pudemos fazer presencial. E me perguntaram se isso se reflete nos negócios, e foi nítido que sim. A vida acontece entre uma reunião e outra.

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Chegaram a pensar em fazer no modelo híbrido?

Sou crítico em relação a essa palavra. As pessoas banalizaram essa história. Eu brinco que, se evento híbrido é você fazer streaming, o Rock in Rio é híbrido desde que nasceu. Nessa edição (do Rio2C) a gente fez questão de fazer 100% presencial, sem transmissão.

Eu brinquei que a gente estava fazendo um NFT às avessas. É único, exclusivo, só quem veio tem e está guardado na sua cabeça. Estávamos projetando um público de 25 mil pessoas, tivemos 37 mil em seis dias de evento.

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A próxima edição do Rio2C é só em 2023. Antes disso, há outros projetos no radar?

Queremos usar o Rio2C como plataforma de teste, tipo um berçário de eventos. Vamos lançar no Rio o Kinect Hub, para a indústria criativa, em parceria com a Neo Ventures, uma das maiores do Brasil em hubs setoriais e que tem hoje a Mining (de mineração) e o Icon (construção civil).

Está na primeira fase, de captação dos parceiros. O hub faz curadoria e a ponte entre start-ups e empresas maiores. Entende os problemas da empresa e a conecta com start-ups que trazem a solução.

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Nessa ideia de berçário de eventos, já há outros previstos?

Tem dois para o segundo semestre. Um no Rio, sobre inovação no mercado de capitais. O olhar é buscar novas áreas, muitas não estão nem regulamentadas.

Metaverso, NFTs, os criptoativos de forma geral, virou um hype gigantesco. Mas estou falando em outro tipo de inovação, temos que ver a sustentabilidade. O outro evento será de games em São Paulo.

Rafael Lazzarini, CEO da Rio2C, é a favor de experiências de maior qualidade em eventos e na difusão de conteúdo criativo Agência O Globo — Foto:

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A imagem do Brasil ficou arranhada na questão ambiental, na política. Isso dificulta convidar palestrantes ou artistas para um show?

É engraçado, ao mesmo tempo em que a gente vive essa realidade, quando falamos da pandemia, temos um nível de vacinação que é talvez hoje um dos maiores do mundo. E isso é super levado em conta (para atrair estrangeiros).

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É um festival internacional. O artista está ali, tem a sua liberdade de expressão. Sempre acho que o artista não precisa necessariamente entrar no jogo político para se manifestar em relação às suas causas.

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O dólar mais caro e o preço das passagens aéreas dificultam trazer estrangeiros?

Nosso orçamento de logística no Rio2C, este ano, foi 50% maior do que em 2019, quando era o dobro de palestrantes internacionais, muito em função da ponte aérea. A malha aérea encolheu muito e o preço das passagens explodiu.

Espero que no segundo semestre esta situação esteja melhor. Custos de produção subiram, ainda mais com energia e combustíveis. Num evento outdoor (ao ar livre), há gerador para tudo.

E para o público? A renda apertada dificulta vender ingressos?

A gente não repassou os custos. E o público hoje é muito maior, há demanda represada. E há um segundo efeito. A pandemia trouxe um reconhecimento de coisas das quais as pessoas não estão dispostas a abrir mão.

A experiência ao vivo ganhou novo valor. E isso é válido para os eventos que tenham o cuidado com a experiência. Se um restaurante ficar restrito à proposta de “eu faço uma boa comida”, se não entregar uma experiência, vai perder clientes, porque tem o delivery.

As pessoas estão dispostas a pagar por experiência. Quem está na produção de eventos, tem que se preocupar com isso. A barra subiu. As pessoas serão mais exigentes.

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O metaverso é uma tendência para aprimorar a experiência?

Sim, é um hype, e a gente já faz incursões neste mundo. Mas temos que pensar a tecnologia a serviço do homem, e não em detrimento da experiência humana.

Precisamos ter um contraponto a uma sociedade instantânea. É o slow content, o consumo de conteúdo consciente, de parar, de desacelerar.

A gente pode fazer uma analogia com o movimento de slow food da Itália dos anos 1980, quando a sociedade começou a se questionar em como estava se alimentando. A reboque disso veio todo o movimento de academias, da preocupação com o corpo.

No pós-pandemia o ‘slow content’ é uma tendência?

Não sei se é tendência, mas falo disso como um chamado.

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Os jovens hoje veem séries na velocidade acelerada, para saber logo o fim da história. É disso que estamos falando?

É sério isso? É só para “eu vi a série”, não desfruta. É a mesma coisa do slow food: antes você comia em pé, correndo, um negócio que não sabe o que é, qual é a validade nem a procedência. A comida é alimento para o corpo.

O alimento para a alma, para a mente, que é o conteúdo, você está consumindo da mesma forma. Não sabe a validade, não sabe a procedência, nem lê e já encaminha no WhatsApp.

O slow food trouxe a preocupação com a saúde do corpo, e hoje há uma explosão de doenças mentais. Os sinais estavam todos lá e foram acelerados (com a pandemia).

Ainda tem a questão do algoritmo. Até onde vai a criação impulsionada por dados e a partir de que ponto a gente fica escravo do dado e mata a intuição e o novo? Começa a produzir mais do mesmo, pasteurizado, porque o algoritmo vai te dando isso.

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A Live Nation vai investir numa arena em São Paulo. Outras capitais no Brasil podem ganhar um espaço?

Há outros projetos no mundo, é uma área que a empresa está olhando. Era um contrassenso São Paulo, a “capital” da América Latina, não ter uma arena. Vai ter padrão internacional, no Anhembi.

Dentro da concessão do distrito feita para a GL Events, que tem ainda o sambódromo e o centro de convenções, fizemos um acordo para construir a arena para 20 mil pessoas.

A Live Nation sempre foi empresa de software, de conteúdo. Mas chega um momento em que, para garantir a qualidade da experiência do começo ao fim, não basta só o conteúdo ser incrível. O ambiente, o conforto, o acesso, a visão, isso faz parte do todo.

A arena deve ficar pronta no fim de 2024. No momento, o foco é São Paulo. É um projeto grande, de US$ 100 milhões, ou meio bilhão de reais.

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