Pequenas empresas usam 'marketplaces' de Amazon e Walmart para vender no exterior

Empreendedores aproveitam capilaridade das plataformas e exportam de grãos de café para torrar em casa a adubos orgânicos. Frete pode ser gratuito

Por Cleide Carvalho — São Paulo


Marcele Martins, head de Expansão Internacional e Marketing da marca BOB, coordena as vendas da marca pelo Amazon Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Bolsas e mochilas confeccionadas na Zona Leste de São Paulo, grãos de café direto de fazendas brasileiras para torrar em casa e até adubos orgânicos para “pais” de plantas. Praticamente tudo o que pequenos empreendedores produzem no Brasil está ao alcance de consumidores em Nova York, Paris ou Madri por meio da internet.

Plataformas globais de comércio eletrônico — os chamados marketplaces —, como Amazon, eBay e Walmart dão aos brasileiros uma chance de exportar, aproveitando a capilaridade de distribuição dessas operadoras pelo mundo, muitas vezes com frete local grátis para o consumidor, o que viabiliza preços finais mais competitivos.

O “mercado da saudade”, de brasileiros que vivem no exterior, é um dos principais nichos, mas as plataformas também permitem alcançar nativos em diferentes mercados. Nas grandes vitrines virtuais, o segredo é aprender a diferenciar seu produto e marca nas buscas ao lado de dezenas de similares de várias origens, principalmente chinesa.

Letícia Ramos, de 28 anos, criou a Lenna’s, marca de pastas, mochilas e bolsas para laptop, há sete anos em São Paulo. Ela aproveitou a estrutura ociosa da fábrica dos pais, voltada para o mercado escolar, em parte do ano para produzir suas peças para venda on-line. O primeiro teste foi feito no marketplace brasileiro Enjoei. A resposta dos consumidores apontou uma demanda por esse tipo de produto para o dia a dia de diferentes profissionais e universitários, independentemente do gênero.

Lenna's, a marca de pastas, mochilas e bolsas para laptop da Zona Leste de São Paulo, tem clientes nos Estados Unidos — Foto: Divulgação

Em 2019, ela migrou para a plataforma da Amazon no Brasil em busca de um frete competitivo para todo o país. O faturamento multiplicou-se por dez, e o desempenho da Lenna’s chamou a atenção do marketplace, que a convidou para levar sua marca ao mercado americano. Em agosto do ano passado, Letícia fez a primeira remessa de produtos para os EUA.

— É uma realização ver um produto feito aqui, na Zona Leste de São Paulo, comprado por alguém em Nova York. Tem sido um aprendizado acompanhar o que o consumidor compra lá — comemora.

Café ‘gourmet’

Exportadora há 28 anos, a Valorização Empresa de Café, sediada no Rio, negocia mais de 200 mil sacas por ano, mas escolheu a Amazon para entrar no mercado gourmet. Vende pacotes de grãos a serem torrados e moídos em casa para consumidores nos EUA com a marca Direct From The Farm há nove meses. A estratégia para se diferenciar dos concorrentes é ressaltar a origem brasileira e dar detalhes sobre as propriedades dos grãos de café e de onde foram colhidos.

— Esse mercado cresce muito nos EUA. É a quarta onda do café, que chega muito fresco à mesa — diz Luiz Otávio Arararipe, diretor da empresa.

O principal portal nessa modalidade é a Amazon, que tem investido na busca de vendedores no Brasil que queiram chegar aos EUA. Além de gerentes que dão mentoria para a internacionalização, o programa Amazon Prime oferece frete grátis ao consumidor americano para produtos de qualquer origem. Entre 2020 e 2021, as vendas de terceiros na Amazon dobraram, atingindo US$ 390 bilhões.

Eduardo Buechem, sócio da Vitamina Terrestre, encontrou na venda de adubo orgânico em pequenas embalagens, de um quilo ou apenas 150 gramas, um negócio capaz de atrair consumidores tanto no Brasil quanto no exterior — Foto: Divulgação

Segundo Miriam Ferraz, coordenadora de Negócios Internacionais do Sebrae-RJ, a Amazon responde por nada menos que metade das vendas pela internet na maior economia do mundo, e 60% dos americanos começam a procurar um produto no site da gigante do bilionário Jeff Bezos.

Cerca de 70% das marcas dos EUA estão presentes na Amazon, cuja experiência de consumo está ligada a poderosos algoritmos. Para Miriam, não há dúvida de que é uma boa oportunidade para empreendedores brasileiros interessados em ampliar os horizontes:

— A certeza é que cada vez mais as empresas optam por marketplaces para entrar no mercado internacional. É um caminho inevitável.

A coordenadora do Sebrae-RJ afirma que o primeiro passo para os interessados é navegar nos sites de venda no exterior para pesquisar a concorrência. Ela alerta ainda que, antes de anunciar, é preciso planejar e estruturar a operação no Brasil para fazer as remessas, pois atrasos nas entregas e problemas nos produtos são punidos pelas plataformas.

Ricardo Garrido, diretor da Loja de Vendedores Parceiros da Amazon Brasil, conta que a empresa lançou o programa de vendas internacionais no Brasil em 2021 e já leva produtos daqui a 21 países, embora o foco principal dos empresários brasileiros seja os EUA:

— A proposta é que seja tão fácil vender lá como aqui.

Segundo ele, o primeiro produto brasileiro vendido pela Amazon nos EUA foi uma escrivaninha. Apesar de serem produtos grandes e pesados, a qualidade da madeira e o preço fizeram os móveis brasileiros competitivos por lá.

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— A cereja do bolo para ser descoberto na vitrine da Amazon é o serviço de publicidade dentro da plataforma — diz.

Demanda identificada

Marcele Rocha Martins, head de internacionalização fabricante de cosméticos em barra B.O.B, apostou na conscientização do consumidor americano em relação ao meio ambiente para deslanchar as vendas por lá, também via Amazon. O diferencial dos produtos é eliminar embalagens plásticas, tirando a água que corresponde a grande parte do volume de xampus e sabonetes líquidos tradicionais.

A empresa, que já nasceu digital e tem fábricas em Juiz de Fora (MG) e São Roque (SP), identificou que faltam marcas nessa categoria nos EUA e viu uma grande oportunidade após dois anos vendendo apenas no seu site próprio no Brasil.

No ano passado, entrou nos marketplaces internacionais e passou também a vender para pontos de venda físicos. Segundo Marcele, as vendas nos EUA alcançaram US$ 1 milhão (R$ 5,2 milhões no câmbio atual) em 2022, e a previsão é duplicar este ano.

— A ideia sempre foi a internacionalização. Estávamos otimistas com os resultados do ano passado, mas superou o que imaginávamos — diz.

O consultor Marcos Gouvêa de Souza, conselheiro do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), vê grande espaço nos marketplaces para levar produtos brasileiros ao exterior com preços competitivos, graças à capilaridade e eficiência da logística de entrega:

— É uma oportunidade real e que deve ser explorada imediatamente. As empresas precisam olhar o mundo de forma mais abrangente.

Para vender lá fora, as empresas têm de seguir as regras de exportação de cada país, um dever de casa inevitável. A burocracia da exportação é a mesma e as taxas variam em cada país. A facilidade está no fato de que o destino é um só: o armazém do marketplace, que se encarrega de levar o produto ao consumidor.

No caso da Amazon, depois que o produto chega, a empresa se responsabiliza pelo pós-venda, inclusive eventuais trocas. No Brasil, qualquer exportação é isenta de imposto. Nos EUA são isentos de taxas de importação produtos de até US$ 800.

Os canais de comércio transfronteiriços, conhecidos como crossborder, têm sido amplamente usados por fabricantes chineses ao redor do mundo para ingressar em mercados atraentes, incluindo o Brasil. Não é pouca a grita do comércio brasileiro, que reclama de falhas na fiscalização sobre produtos que entram no país a preços muito baixos sem pagar o imposto devido, desafiando produtores e varejistas nacionais. Gouvêa de Souza assinala, porém, que o futuro dessas plataformas está mesmo nas transações legais entre países para comércio de mão dupla.

Eduardo Buechem, sócio da Vitamina Terrestre, encontrou na venda de adubo orgânico em pequenas embalagens, de um quilo ou apenas 150 gramas, um negócio capaz de atrair consumidores tanto no Brasil quanto no exterior. Ideais para uso doméstico — no cultivo de orquídeas a suculentas ou mesmo de hortaliças em pequenas hortas —, os produtos são vendidos lá fora na plataforma do Walmart e em sites segmentados, como os de cooperativas de jardinagem e gardens. Ele também já exporta para lojas físicas.

— O marketplace é uma grande vitrine, mas não abro mão de estar também na loja física. Quando a dona de casa vai lá na loja do Walmart, ela também vê e compra — conta o empresário.

Organização importa

Miriam, do Sebrae, diz que o mercado americano é o mais maduro, mas lembra que há muitas opções de marketplaces segmentados de outros países, tanto na venda ao consumidor final quanto entre empresas (B2B). Na avaliação dela, estar lado a lado com concorrentes internacionais, inclusive os chineses, também ajuda a empresa a se aprimorar e manter seu espaço no mercado interno

— É preciso alertar que quem não se sai bem neste mundo sem fronteiras pode não sobreviver em seu próprio país. É uma chance para criar os diferenciais competitivos para sobreviver diante dessa nova dinâmica de mercado.

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