Corte da gasolina pela Petrobras visa a compensar aumento de imposto, avaliam especialistas

Ações da empresa têm forte queda na Bolsa, após anúncio. Para associação de importadores, preço deveria subir e não cair, pois está defasado em relação à cotação internacional

Por Vitor da Costa e Carolina Nalin — Rio


Fachada do prédio da Petrobras no RJ Agência O Globo Agência O Globo

O anúncio de uma nova redução no preço da gasolina por parte da Petrobras fez com que as ações da empresa tivessem fortes quedas na Bolsa nesta sexta-feira. Para analistas, o movimento visa compensar a reoneração integral de impostos federais sobre os combustíveis.

Petrobras ON (ordinárias, com direito a voto) caíram 5,13%, negociadas a R$ 33,10. Petrobras PN (preferenciais, sem direito a voto) cederam 4,83%, cotadas a R$ 29,53.

Segundo dados da Economatica, a empresa perdeu R$ 21,7 bilhões em valor de mercado no pregão, passando a valer R$ 411,77 bi ante os 433,48 bilhões do fechamento anterior.

É a maior queda diária dos papéis ON e PN desde o pregão de 02 de janeiro deste ano, quando os ativos cederam 6,67% e 6,45%, respectivamente, de acordo com a Economatica.

No exterior, os preços para os contratos futuros fecharam em alta, beneficiados pela desvalorização do dólar. O preço para o contrato para agosto do petróleo tipo Brent subiu 0,75%, negociado a US$ 74,90, o barril. Já o preço do contrato para o mesmo mês do tipo WTI avançou 1,12%, cotado a US$ 70,64, o barril.

O anúncio ocorre um dia depois de impostos federais (PIS/Cofins e Cide) voltarem a ser cobrados integralmente, o que elevaria o preço dos combustíveis. De acordo com o Ministério da Fazenda, com a volta da cobrança teria impacto de R$ 0,71 por litro de gasolina e R$ 0,24 para o etanol.

Preço defasado

Na avaliação de Sérgio Araújo, presidente executivo da Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis), o corte no preço da gasolina não é justificável do ponto de vista técnico. Segundo cálculos da Abicom, o preço médio da gasolina praticado pela estatal já estava R$ 0,34 abaixo do preço de paridade internacional (PPI). Portanto, sob essa ótica, poderia ser esperado um aumento e não redução.

— Tudo leva a crer de que foi uma ação da Petrobras visando reduzir o impacto do aumento da carga tributária uma vez que houve ontem a volta dos tributos Pis/Cofins e Cide.

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O PPI ainda é a principal referência do mercado mesmo após a mudança da política de preços da Petrobras. Isso porque a alteração na política de preços, para analistas do setor, passou a considerar outras variáveis que não são claras e facilmente mensuráveis.

Segundo Araújo, não dá para falar em intervenção do governo nos preços uma vez que não houve nenhuma sinalização clara e direta de ação do seu acionista majoritário, seja pelo presidente da República ou pelo ministro da Economia.

Pedro Rodrigues, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), concorda com Araújo que do ponto de vista técnico, considerando a PPI, não havia espaço para a Petrobras reduzir o preço da gasolina. Ele pondera, no entanto, que o anúncio ocorre sob uma nova política de preços da estatal, o que torna difícil para analistas saber o que a companhia está levando em conta para reduzir o custo do combustível.

— Parece ser uma medida populista para tentar segurar o aumento do Pis/Cofins que foi reonerado. Como essa nova política de preços é nada transparente e previsível, a Petrobras provavelmente vai dar uma roupagem técnica. Mas só ela consegue fazer essa conta porque as variáveis são incalculáveis. Na nova fórmula, existe espaço para tudo, a qualquer momento e a qualquer minuto — diz.

Rodrigues chama atenção ainda para o fato de que, em meio a uma política pouco transparente, a estatal pode vir a reduzir ainda mais o preço por uma questão concorrencial e isso se tornar uma preocupação do ponto de vista do abastecimento:

— O que me pergunto é como vão ficar os refinadores privados. Os importadores já foram aniquilados no mercado e hoje ninguém importa mais combustível. No futuro, como fica o abastecimento do país? A Petrobras vai suprir essa necessidade? Com que preço? Essa é a pergunta. Hoje não sabemos pela política pouco transparente e nada previsível — afirma.

Efeito 'compensatório'

Os papéis já apresentavam baixas desde o início do pregão, com o movimento ganhando força após o anúncio.

Para o analista de Research da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, as ações caem com a constatação por parte do mercado de que o movimento poder ter um caráter mais compensatório do que técnico.

Nos cálculos da Ativa, havia uma defasagem da gasolina superior a 13%, que deve ultrapassar os 18% com o novo corte.

— O anúncio de uma nova redução nos parece que é uma medida para que se compense o aumento iminente de preços que você poderia ter na bomba. Nos parece que foi mais para acobertar a reoneração integral, do que um movimento técnico.

O analista de commodities da Mantaro Capital, Pedro Acioli, avalia que o corte da gasolina aumenta a percepção de risco da nova política de preços da companhia.

— Nos parece que a Petrobras está usando a 'flexibilidade' da nova política, que permite à estatal precificar os derivados até um limite inferior igual ao 'valor marginal', mas essa métrica também não está 100% clara.

Acioli destaca que o fato do anúncio coincidir com a reoneração total dos impostos federais eleva os receios de interferência política por parte do governo na empresa.

— Fica o temor de certa ‘compensação’. A incerteza sobre a política de preços continua. A política só vai ficar clara ao longo do tempo, com a execução da mesma.

Em relatório, analistas do Goldman Sachs avaliam a notícia como negativo para empresa. Segundo eles, o anúncio “pode levar os investidores a ficarem preocupados com uma possível pressão política sobre a empresa em relação à política de preços de combustíveis e riscos de subsídios aos preços dos combustíveis”.

Limite da faixa de preços

Nas últimas semanas, os ativos da estatal vinham apresentando forte desempenho em linha com a melhora de percepção de analistas sobre a gestão da empresa. Bancos estrangeiros, por exemplos, chegaram a retomar a recomendação de compra para o ativo.

Ainda assim, os analistas destacam que a nova política de preços da estatal não foi de fato testada.

— Antes você tinha um direcionamento mais claro, porque o preço era o do PPI (política de paridade internacional de preços. Também havia dúvidas, mas a nova política trouxe uma opacidade maior — ressalta Arbetman.

Em relatório, analistas do Itaú BBA destacam que o novo preço de R$ 2,52 bate com as estimativas do banco para a faixa de preço considerada na nova estratégia comercial da companhia.

“Isso reforça nosso entendimento de que a companhia pode estar explorando o limite inferior da atual faixa de preço da gasolina desde o primeiro dia da atual nova estratégia comercial, conforme nossas estimativas”, destacam os analistas do banco.

Os especialistas do Itaú BBA afirmam que provavelmente a estatal analisa as tendências de preços recentes ao avaliar o tamanho de um ajuste de preço, evitando assim repassar a volatilidade dos preços internacionais e do câmbio para os consumidores.

O Itaú BBA destaca que o corte compensará parcialmente a devolução dos tributos federais sobre a gasolina.

Redução de 5,3%

O corte será de R$ 0,14 por litro ou queda de 5,3% no preço médio de venda para as distribuidoras. Com a medida, que vale a partir de amanhã, o valor do litro que sai das refinarias da estatal passará a ser de R$ 2,52 por litro. A companhia também anunciou corte do gás de cozinha.

O anunciado nesta sexta-feira é o quinto de 2023. O último foi em 16 de maio.

No caso do GLP, o chamado gás de cozinha, a queda será de R$ 0,10 por kg ou queda de 3,9% nas distribuidoras. Assim, o preço médio de venda passará de R$ 2,5356 para R$ 2,4356 por kg, equivalente a R$ 31,66 por botijão de 13kg.

Tanto no caso da gasolina como no caso do GLP os preços ao consumidor não serão reduzidos na mesma proporção, pois o valor final dos produtos inclui tributos e lucro das distribuidoras.

Os impostos federais haviam sido zerados no ano passado, numa tentativa do governo de Jair Bolsonaro de reduzir os preços dos combustíveis e aumentar sua popularidade.

No início do ano, o governo Lula editou uma medida provisória prorrogando a desoneração por três meses. Mas determinou que o retorno dos tributos seria feito em duas etapas: metade a partir de 1° de março e metade a partir de 1º de julho.

"A redução do preço da Petrobras tem como objetivos principais a manutenção da competitividade dos preços da companhia frente às principais alternativas de suprimento dos seus clientes e a participação de mercado necessária para a otimização dos ativos de refino em equilíbrio com os mercados nacional e internacional", diz a empresa em nota.

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