Conheça a cidade onde Uber e 99 não têm vez

Município de Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais, conta com nada menos que sete aplicativos locais de transporte

Por — São Paulo


Enquanto nas metrópoles a maioria fica entre dois apps de transporte, moradores da pequena cidade mineira têm 7 alternativas locais Edilson Dantas / O Globo

RESUMO

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GERADO EM: 02/08/2024 - 10:47

Concorrência acirrada impulsiona aplicativos locais de transporte em Santa Rita do Sapucaí, Minas Gerais

Em Santa Rita do Sapucaí, Minas Gerais, surge uma concorrência local com sete aplicativos de transporte desafiando Uber e 99. Impulsionados por empreendedorismo e inovação, motoristas locais criam serviços personalizados, atraindo clientes e garantindo boa renda. A cidade, conhecida por seu polo tecnológico, mostra como a criatividade e a busca por autonomia financeira impulsionam o setor de transporte local, desafiando gigantes do mercado.

Se nas grandes cidades, os aplicativos de transporte Uber e 99 dominam a preferência dos passageiros, em Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas Gerais, eles enfrentam uma imbatível concorrência. No município de 40,6 mil habitantes há pelo menos sete aplicativos de transporte criados por empreendedores locais, sem contar os dois gigantes do setor. Não se tem notícia no Brasil de uma cidade com tantos apps similares.

São iniciativas de moradores que já atuavam como motoristas de aplicativos, mas decidiram criar suas próprias empresas em busca de independência financeira, maiores ganhos e — por que não? — crescer no mundo dos negócios.

— Em 2019, quando o serviço de transporte por aplicativos começou a deslanchar aqui em Santa Rita, só havia Uber. Decidi criar um aplicativo local para que a população tivesse opção de mobilidade, além do transporte público e dos táxis. Começamos em 2020, com 15 motoristas, e atualmente somos 30, atuando também em cidades vizinhas, como Brazópolis e São Gonçalo do Sapucaí — conta Christian Trentini, fundador da Mobi Vale, que pretende expandir seus serviços para ainda mais municípios.

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Ele e seus dois sócios investiram cerca de R$ 10 mil para viabilizar o aplicativo e montar uma estrutura administrativa e de marketing. Como diferencial para atrair motoristas, implementaram uma mensalidade pelo uso do aplicativo. Atualmente, descontam um percentual de 10% de cada corrida.

No Uber e no 99, esse percentual varia a partir de cálculos feitos pelos aplicativos que não ficam muito claros para os motoristas. Christian diz que, quando trabalhava com o Uber, os descontos nas corridas ficavam entre 30% e 40%, três a quatro vezes o que desconta dos motoristas em sua empresa.

Disputa acirrada

Outros motoristas resolveram seguir o exemplo. A visão era a de que num município menor e com número de corridas limitadas eles poderiam ganhar mais dinheiro criando seus próprios serviços de transporte, atraindo outros motoristas com descontos reduzidos nas corridas em relação a Uber e 99.

Primeiro, um grupo migrou para um aplicativo menor, o Go Car, criado na vizinha Divinópolis, com condições mais atrativas para os motoristas. Depois, começaram a criar serviços próprios, buscando empresas que desenvolvem plataformas customizadas. Atualmente, na cidade, um motorista só pode prestar serviço para um aplicativo local. A disputa, portanto, está acirrada.

O surgimento de tantos aplicativos numa cidade tão pequena não é um acaso. Santa Rita do Sapucaí é um conhecido polo de formação tecnológica, e a cultura de inovação acaba transbordando para o cotidiano da cidade. O município ficou conhecido como Vale da Eletrônica por suas instituições de ensino voltadas para o setor e as várias incubadoras de empresas de base tecnológica.

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De lá, saíram invenções brasileiras como a urna e a tornozeleira eletrônicas. Portanto, a população é afeita a novidades tecnológicas, e o empreendedorismo faz parte do DNA local. Mais de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) do município sai de suas quase 200 empresas de tecnologia — muitas nascidas das três incubadoras locais. Elas movimentam cerca de R$ 3,6 bilhões anualmente e ajudam a reter a mão de obra especializada formada na cidade.

— O caso dos aplicativos é uma peculiaridade da nossa cidade, onde as pessoas buscam o empreendedorismo e a inovação. As plataformas de transporte que foram criadas aqui não concorrem tecnologicamente com Uber e 99, que têm sistemas robustos e oferecem muitos serviços, mas suprem a necessidade básica da população, que é o transporte — diz Roberto de Souza Pinto, presidente do Sindicato das Indústrias do Vale da Eletrônica (Sindvel).

Edson Rodrigues diz que foi o primeiro motorista de aplicativo de Santa Rita. Hoje é dono da Vale Driver, também lançada em 2020. Ele e um sócio tiraram dinheiro do próprio bolso para ter um aplicativo desenvolvido por uma empresa especializada nesse ramo. Hoje, já atuam em outras cidades mineiras, como Pouso Alegre, Brazópolis, Itajubá e Passos.

Segundo Rodrigues, o aplicativo também já é utilizado em cidades pequenas de outros seis estados. Só em Santa Rita, são 110 motoristas. Eles recolhem 12% do valor das corridas para o app.

— Fazemos uma seleção, para oferecer qualidade. Criamos, por exemplo, um serviço exclusivo para mulheres, com motoristas mulheres. Temos em nosso cadastro 25 mil clientes numa cidade com pouco mais de 40 mil habitantes, o que mostra muito interesse da população — afirma Rodrigues.

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Kennedy Vilas Boas e seus sócios, Marcelo Ladeira e Demerval Teixeira, fundaram há 3,5 anos o Klick Driver, aplicativo que reúne 28 motoristas e tem uma base de 5 mil clientes na cidade. O investimento inicial foi de R$ 10 mil.

Os sócios da Klick Driver: da esquerda pra direita, Marcelo Ladeira, Kennedy Vilas Boas e Demerval Teixeira. — Foto: Arquivo pessoal

Vilas Boas conta que a ideia é ter um número limitado de motoristas para garantir que cada um faça um número suficiente de corridas capaz de assegurar uma boa renda.

Alguns motoristas rodam durante o dia, outros apenas à noite e uma parte só no fim de semana, para complementar renda. Por isso, há duas formas de cobrança dos motoristas: uma mensalidade de R$ 150 ou desconto de 10% sobre a corrida.

— Assim conseguimos garantir uma boa renda, já que cada um roda em seu tempo — diz ele, acrescentando que a plataforma criou um serviço específico para transporte de animais de estimação.

A cerimonialista Karen Fernanda, moradora de Santa Rita, é usuária frequente da Klick Driver e diz que os preços são melhores do que os dos táxis, além de os motoristas serem muito atenciosos:

— Sou usuária frequente. Moro longe do Centro e sempre preciso resolver coisas por lá. O preço é justo e vale mais a pena que táxi. E, por serem aplicativos locais, dão mais confiança aos passageiros.

Procurado pelo GLOBO, o Uber informou que não tem dados regionalizados, mas confirmou que segue atuando na cidade normalmente. O 99 não respondeu.

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